sexta-feira, 24 de outubro de 2008

Quem sabe dormiremos

Quem sabe dorminremos

..........Acordei cedo. Antes de tocar o relógio. A noite fora difícil.
..........Atravessei a rua. Peguei a esquina errada. Acabei dando uma volta enorme até chegar no ponto de ônibus. Mais 40 minutos de espera.
..........Sentei no fundo porque foi mais fácil: o motorista arrancou, fui aos tropeços jogado para trás. Sentei e olhei pela janela.
..........Numa das paradas, entrou uma loira. Mulher de uns dezoito, vinte anos, alta. Cabelo cortado logo abaixo dos ombros, liso, com uma franja dessas feitas em casa, mal alinhada. Bem coisa de européia. E tinha mesmo cara de sueca.
..........Antes de pagar a passagem já tinha me avistado. Cruzamos olhares.
..........No fundo, os últimos bancos estavam todos livres. Teve o cuidado de deixar um entre nós. Seria difícil, porém mais fácil.
..........Seus olhos azuis chamavam muita atenção naquele clima nublado de uma Curitiba cinzenta. Um azul que mesmo de perfil preenchia seu rosto sardentinho.
..........Olhei pela janela para ganhar tempo. Já sei de antemão que não vai dar em nada. Mas sempre pode acontecer.
..........Ela tirou um caderno quadriculado, folheou algumas páginas preenchidas numa letra muito feia e, depois de reler as últimas linhas, continuou sua vida: rabiscava aos solavancos o que eu imaginava ser seu diário de viagem nessa terra estrangeira. Sem dúvida, não era daqui. Escrevia em inglês e nem parava quando a freiada fazia seu ‘a’ rodear metade do parágrafo.
..........Aquilo me deu uma idéia. Na verdade, a idéia que tive foi para ela, mas tive que pensá-la eu mesmo. Peguei um papel no bolso de trás e escrevi:

..........um dia,
....................quem sabe,
dormiremos...

..........O telefone foi no verso.
..........Mais uma olhada pela janela, dessa vez para ver se faltava muito para o meu ponto, coisa que nem prestei atenção, e me levantei. Apertei a parada enquanto espiava pelo canto do olho. Coisa rápida. Escrevia. Mas percebi que me olhava de vez em quando.
..........Chegou a parada.
..........Olhei bem pra ela e entreguei o papel.
..........Na descida, quase bati a cabeça na porta. E fui andando para o lado errado, pensando às avessas, rindo da piada que havia sido. Parei de andar quando concluí que era hora de esquecer. ..........Talvez ela nem tivesse conseguido pegar o recado.
..........Percebi que estava muito longe. Longe do escritório chato, longe de dormir bem, longe de trepar distraído – a cidade é fechada demais, o trabalho é a única relação possível.
..........Enfiei a mão no bolso à procura do telefone. Estava ali, imóvel e quente. Puxei-o para olhar as horas. Queria mesmo é que tocasse. Não tocava. Desbloqueei o aparelho. Também não adiantou. Foda-se. Já tinha virado piada de mal gosto. Algum dia... isso era o mesmo que nunca.
..........Voltei-me para onde deveria ir, em direção ao ponto de ônibus, para o escritório.
..........Preferia que tivesse tocado o telefone: ela estava ali!
..........Me olhou profundamente e eu acabei mergulhando nela sem querer. A um passo de mim ela continuava em silêncio. De mim, é melhor não tentar uma descrição.
..........Mas dela, agora podia ver melhor. Era meio vesga, coisa leve. Bastante branca, rosto de menina.


10 de outubro de 2008



(Esse texto foi interrompido aí. Seguno uma crítica especializada ele deve ficar do jeito que está, mas havia sido programado mais coisa. Alguém acha que o texto deve continuar?)

quarta-feira, 22 de outubro de 2008

Talvez seja mais difícil

Talvez seja mais difícil


..........Quando vi, uma mulher estava me olhando. Usava óculos e tinha cabelos cacheados pretos. Que fazer? Nada, oras. Continuei conversando com meu amigo. Ele já tinha se assanhado com a garçonete. Trocaram e-mails. A coisa ia bem.
..........A essas alturas o vinho já tinha se esvaído. E cerveja não desceria.
..........Cru como sempre, continuei trocando olhares, estático. Estacado no banco. A música rolando (até que não era tão ruim). Ela, cercada pelos amigos. Impossível.
..........Nossa conversa ia sobre terapia e frustrações. Seria psicologia de bar pior que filosofia de boteco? Nada como um assunto sério para uma noite de sexta-feira num bar alternativo.
..........O outro que estava conosco ainda tinha esperanças de que minhas amigas chegassem. Nada. Era mentira. Não viria ninguém. A única pessoa que conseguimos chamar para vir foi mais um cara. Gente fina, boa conversa. Mas que, pelo jeito, não viria também.
..........Claramente, agora, escrevo numa perspectiva de putaria, ou seja, este relato vai de mal a pior. Mas se fôssemos tranqüilos para aquele lugar, a noite fluiria como uma noite cálida subtropical. Não era o que queríamos. Era preciso a comédia do fracasso.
..........- Vai lá e fala qualquer coisa.
..........- Ah, porra. Jogar conversa fora...
..........- Claro. O que mais é isso aqui?
..........Ele me chutou.
..........Sóbrio e inseguro, me vi sentado ao lado dela.
..........- Oi. Como se chama?
..........- %¨@¨#¨%. E você?
..........- Pedro. (meu olhar vagando)
..........- Que tu faz da vida, assim... (o dela, vago)
..........- Sou engenheiro. E tu?
..........- Psicóloga.
..........- Hum...
..........Lancei um beijo. Claramente ela não estava para perder tempo com bobagens. Eu também não queria isso.
..........Começamos tranqüilamente. Em seguida pensei jogar um pouco de lenha. Minha mão foi passeando lentamente, insinuante por peles mais sensíveis, lugares menos iluminados.
Estávamos numa mesinha, numa parede, ali pelo meio. Levantava a camisa dela, pois não havia como buscar os peitos sem isso. Ela não pareceu se incomodar.
..........Sentada na cadeira, a bunda ficava inacessível. Pensei em nos levantarmos para melhorar os movimentos. Mas os beijos é que estavam guiando a coisa. Ela não usava muito a língua, gostava de chupar a minha. E eu buscando a dela, lá no fundo. Queria chupá-la.
..........- Vamos para o banheiro!
..........- Ai.
..........Fui na frente.
..........A porta estava trancada.
..........No pequeno espaço, que mal cabia um casal, ficamos trancando a passagem.
..........Ela parecia querer arrancar minha língua. Aquilo me empertigou. “Se ela chupasse meu pau, sem dúvida, eu perderia a cabeça”. Depois disso, meu pinto, que já tinha endurecido e amolecido algumas vezes, ficou relutante num meio termo. “Que merda. Nós aqui na porta do banheiro, e isso agora.”. E os dentes eram afiados. Minha língua estava meio esfolada, já. Resolvi ir por outros caminhos. O pescoço, a orelha. Ela gemia devagar. De pé, minha mão agarrou aquela bunda com vontade. Tinha que acender meu fogo: o banheiro estava ali, a menos de um passo.
..........Subi a pegada pela barriga até encontrar novamente o peito. Contornando o sutiã, aproveitei para trabalhar com a outra mão e mordê-la no pescoço. Ela gemia, devia estar muito molhada. Peguei aquele peito quente e esfreguei os dedos no mamilo duro. Ela me puxava forte juntando nossos corpos, querendo sentir meu pau. Merda. Ainda não. Desci a mão do peito para a boceta.
..........- Quero te chupar!
..........Estava quente. Minha ceroula deixava minhas pernas molhadas de suor.
..........Massagiei lentamente pela calça, mas em seguida o banheiro vagou. Ela disse:
..........- Preciso ir antes.
..........E se trancou.
..........Hum...
..........Encostei na parede. Pensei em várias sacanagens. Antes de ela sair me dei conta. “Estou sem camisinha. Filho da puta! E agora que a coisa tá ficando séria”. Olhei para baixo, procurando apoio. A porra do pau tava mais mole que no dia do velório do meu vô, quando eu tinha doze anos.
..........Ela saiu e me agarrou para beijar mais. Fiquei ali encostado na parede. Pensava mais que beijava. O circo tava armado, e nem fogo eu tinha mais. E se fôssemos realmente para o banheiro? Masturbação, pegadas, chupadas? O pau que era uma maria-mole, aquela boca querendo arrancar a cabeça dele, sem camisinha, de ceroulas, no único banheiro de um bar lotado...
..........Eu precisava me livrar dela.
..........Foi aí que percebi que, talvez, mais difícil que chegar numa mulher é deixá-la.
..........Olhei em volta, procurando meus amigos. Cada casal que me aparecia, eu via um deles ocupado. Merda.
..........Enrolei mais um pouco.
..........- Vou tomar alguma coisa.
..........Pedi um... er... uma soda.
..........- Você não gosta de dançar, né? Ficou sentado o tempo todo lá no canto.
..........- Hum.
..........Ficamos dançando um pouco juntos. Eu de saco cheio. Cadê eles?
..........Quando ela reencontrou os amigos delas, aproveitei:
..........- Vou ver onde estão os caras que vieram comigo.
..........- Tá.
..........Fui para um outro ambiente, onde não conseguia ver as pessoas.
..........Haha. Estavam lá. Conversando numa mesa.
..........- Estamos só te esperando.
..........- Vamos embora. Rápido.
..........Aproveitei para não dar tchau e saí sem que ela me visse.

26/07/08

segunda-feira, 13 de outubro de 2008

Pedaço 22 - Padaria

..........Fiquei contente de encontrar a padaria de esquina do outro dia. Havia percebido que aquele tipo de ligar, quando barato, era excelente para matar tempo. Quinze minutos passariam assim. Ainda mais com uma partida de sudoku e um café para ajudar a descer o almoço.
..........Mesmo distraído com o jogo, ou melhor, muito puto pois aquela merda havia travado – sudoku, cabeça? -, mesmo distraído a realidade me atingia: uma família veio almoçar coxinhas, saía indignada uma moça muito viva, o café sorrateiramente escapou do copo para minha calça.
..........Terminei a partida e então tentei limpar o jeans. Com a mão, espalhei direitinho até a mancha suavizar. Mas aquela meleira nos dedos era quase insuportável.
..........- Onde fica o banheiro?
..........Aproveitei para mijar – o café tem uns efeitos esquisitos. Esporrei o sabão e me lavei. Nas rodoviárias, parece mais com catarro. Aqui a coisa costuma ser esbranquiçada. Coco? Só ser for os bagos de um cabrito.
..........Na volta, indo para a saída, encontrei uma estante com livros. Espantadíssimo, olhei ao redor para me certificar do mundo. Tirando tudo que tem uma padaria, e os livros, havia ainda um cartaz: internet sem fio. Fantástico! Quem diria que se fazem pães ali?
..........O Germinal, Conheça o Chile, Shakespeare. Peguei um que estava com a capa virada para baixo. Na frente dizia: Sexo anal, como entrei com tudo. Sem palavras. O dia poderia acabar ali.
..........Folheei em busca de alguma parte interessante – para provar a qualidade da literatura, claro. Tive que rodar bastante... apareceu uma criança assassinada a mídia escandalizada, gente fugindo.
..........Enfim: “Elisa, você sempre quis que eu te comesse, agora sou eu que estou implorando pela tua boceta.”
..........“- Carlos, vá se...”
..........- Ai, ai. O que será que vou ler agora?
..........Bem na hora de foder, uma mulher muito gorda, com voz meiga, fala consigo mesma para eu ouvir.
..........Olhei o relógio. Fiz um sorriso amável para ela.
..........- Acho que esse é a tua cara.
..........E fui embora sem pagar.

segunda-feira, 6 de outubro de 2008

Pedaço 03 - Passando a noite

Caminho olhando para o chão porque a paisagem demora muito para mudar. Agora, de noite, são raras as pessoas que andam pelas ruas. Quando aparece alguém, ouço de longe. Nem preciso erguer o rosto.

Os carros também não passam. Pois nessa região não há nada para fazer. Duas ruas abaixo, há uns velhos puteiros de putas muito feias. Quando nos acostumamos com as mulheres das praias ou da internet o universo feminino real escorre feito esgoto: pêlos, espinhas, sebo e menstruação. Para mim, isso ainda tem certa atração. As mulheres reais pelo menos reagem e isso cria um clima de imprevisto estimulante. Por mais que não me dê bem na maior parte das vezes, acho que é isso que me leva a tentar novamente.

Uma coisa é certa: aquelas putas são mais que brochantes. Não apostaria minha cabeça com o diabo nem por quinze dinheiros naqueles quartos a duas ruas.

O silêncio tem a capacidade de transformar todas as coisas. Viro uma esquina. ... Caminho. ... Sente-se o relevo, os cheiros. É possível fluir com as ruas.

Passa um carro. A visão volta a funcionar. A cabeça faz mil cálculos.

Numa esquina, descendo a rua, lá no fundo, a três quadras, está um travesti esperando. Sento no meio fio e fico observando. Isso de ficar sentando à meia noite no centro da cidade não é uma coisa que se espera de uma pessoa. Mas não há pessoas para esperarem algo de mim. Sento e observo.

 Dez minutos já e nada.

 Entre eu e o travesti há um guardador de carros, no meio da segunda quadra. Sentado em uma cadeira de praia, em frente a uma porta, ele fica só olhando a falta de movimento. Quando aparece alguém, aponta para trás de si com o dedão, mas é para a porta ao lado. E as pessoas entram. Apenas distingui que havia um neon acima da entrada.

Levanto e encosto no poste da esquina. A mão no bolso de trás conta - vinte e cinco mangos. Tem umas moedas perdidas também. Dependendo do valor da entrada ainda é possível tomar uns gorós. Mas pelo jeito que os bares daqui são, terei que dar o cano no madrugadão das três.

Desço a ladeira com as mãos enfiadas nos bolsos. Do outro lado da rua vai um grupo de 3 pessoas. Calça social justa na canela, camisa com listras largas, cabelo tipo capacete, um lenço branco, cigarros conectados ao corpo.

O neon dizia Blues Velvet.

Achei estranho esse lance do neon. Nunca mais tinha visto gente trabalhar com isso. Nas rodovias ainda passamos por umas whiskerias assim. E, para falar a verdade, com esse cara aqui na entrada, numa ruela estreita da velha cidade, é bem provável que aqui vivesse um puteiro.

Bonito. Para um bar alternativo nada melhor que um clima punk-anos80-novaiorquino. (Uma falsificação barata entre aspas. Ou uma réplica. As pessoas se sentem melhor em lugares que não são os da sua realidade. Há quem diga que as utopias não vigoram mais...).

Depois do dedão para a porta, subi um lance de escada e no segundo andar uma banda de jazz fazia sua pausa. A fumaça criava uma camada que embaçava a visão.

 Com aquela pocilga cheia, eu me perguntei:

 - E o que estou fazendo aqui com minhas últimas moedas? Preciso de um lugar para dormir. Pelo menos essa noite.