terça-feira, 20 de outubro de 2009

Na beira do rio

.......Certa vez havia um violeiro e um pescador na beira do rio. Sentados no chão de barro duro, sob uma árvore de folhinhas miúdas, ambos permaneciam em silêncio; violão atirado para o lado, caniço para o rio.
.......Como chegaram de manhazinha, já acabara o repertório e a esperança de almoço apenas revirava as idéias, pois os peixes nem fisgavam.
.......Assuntador que era, o violeiro perguntou depois de longa pausa:
.......- Cê acha que o rio tá gargarejando ou gargalhando?
.......- O quê?!
.......- É, esse barulhinho de água repicando nas pedras, esse borbulhamento que tá aí escorrendo desde que o rio nasceu...
.......- Mas e lá sei eu.
.......- Ouça bem... Se a gente fechar o olho e pensar no caniço, a água só pode estar gargalhando. Isso aqui não é rio pra se pescar, logo se vê depois da primeira hora. Mas se a gente esquece os peixes, o rio se transforma rapidinho num bando de gente emborcando garrafas cheias, a água tentando sair pelo gargalo, o ar se enfiando, fazendo todo esse de grugruglu.
.......- Hum...
.......O pescador entendeu o que o violeiro dizia, mas como pensava em outra coisa, emendou no gargarejo das garrafas uma semelhança duvidosa:
.......- E esse cacarejo, consegues ouvir?
.......- Vem do rio também?
.......- Não, acho que vem lá de casa, pois a mulher é impaciente e deve tá querendo fazer o almoço.


07/outubro/2009

terça-feira, 6 de outubro de 2009

Sinistro

.......Pelas oito horas da noite, Juca havia se perdido em alguma parte de um bairro vizinho. Não sabia muito bem o que fazer, se andava mais ou se sentava e descansava um pouco. Ele olhava os raros automóveis que passavam torcendo para que alguém o reconhecesse, porém nenhum parou.
.......Por fim, sentou-se no meio-fio e ficou olhando os bichos voarem ao redor da luz do poste. Perguntava-se se conseguiria comê-los, mas logo imaginava um monte de mariposas voando dentro da sua boca e a boca inchando com as asas batendo lá dentro.
.......Soltou um suspiro e enfiou as mãos nos bolsos.
.......Em um deles havia um fusquinha vermelho, já sem os vidros, e no outro uma tampinha de garrafa e uns tocos de giz. Tirou a tampinha e começou a jogá-la para cima como se invocando a sorte pudesse recordar como chegara ali: Mirinda retornaria para casa, fundo da tampinha ficaria pela rua.
.......Foi contando as Mirindas até que ouviu um barulho de garrafa batendo no chão. No silêncio daquele bairro desconhecido, Juquinha avistou a três quadras uma pessoa pequena ajoelhada na esquina com umas luzinhas em volta. Na frente dela, havia uma bacia e uma garrafa da qual a pessoa tomava uns goles.
.......O menino guardou a sorte acumulada e, nunca tendo visto tal brincadeira, dirigiu-se para a esquina. Enquanto caminhava furtivamente, pensava numa recomendação da mãe, mas que naquele caso, curioso como estava, respondia mentalmente que estranho a gente deixa de estranhar depois que conhece.
.......Quase perto, ouviu-se um grito de Maria!, e a moça, agora dava para ver, levantou-se num já e saiu correndo.
.......Por sorte, deixara tudo como estava, as velas acesas, a garrafa e a bacia que era um cestinho de palha enfeitado com papel de presente, flores e umas penas vermelhas.
.......Contente por não precisar contrariar a mãe, Juquinha chegou à luz das velas e contou cinco delas, uma mão cheia que havia sido o seu aniversário. Pegou um giz e começou a desenhar uma pista para o seu carrinho. Uniu os pontos onde estavam as velas formando um círculo. Depois, para não ficar chato, e ele sabia que as ruas se cruzavam, ligou as velas diretamente pelo meio. Afastando o cesto que estava no caminho Juquinha viu que escorria uma gosma vermelha. Pela primeira vez olhou direito o que havia ali dentro.
.......Uau!, foi a sua reação e levantou-se num susto. De cima percebeu que a sua cidade havia tomado a forma de uma estrela e como as outras estrelas a sua também brilhava.
.......Sentou-se contente e concluiu que havia sido um dia e tanto: perdera-se, brincara com velas, vira uma galinha morta e havia desenhado uma linda cidade em forma de estrela.
.......Logo em seguida adormeceu.
.......Depois desse grande dia, Juquinha nunca mais foi visto.

30/set/09