terça-feira, 26 de janeiro de 2010

O Garanhão Italiano

serão três postagens em um espaço

Acompanhando a leitura do livro de Luciano Trigo, A grende Feira, visitei seu antigo blog e encontrei um vídeo-exemplo de arte contemporânea. Não é novidade que as artes plásticas caíram num vazio (e sem data de retorno), mas é sempre impressionante presenciar o ridículo dos artistas instituídos, do que é designado como grande artista contemporâneo. Digo ridículo porque é impossível não comparar com Chagall, Van Gogh, Kandinsky, etc. (Assim funciona o gosto: as novas experiências são comparadas com as boas experiências antigas.)
Além de não proporem nenhuma linguagem estética, eles não ferem nenhum setor da sociedade, muito menos essa depravação econômica, que sempre foi um bom alvo banalizador da arte moderna.

E nesse ponto da discussão mental que vinha tendo nas minhas últimas noites, aparece-me, enviado por partes muito interessadas no assunto, o link sobre um grande artista do momento. O site diz o seguinte na biografia do autor: Sylvester Stallone is an artist. In fact, many of his paintings have sold for hundreds of thousands of dollars.

Pronto. É de qualhar os ovos dum sujeito.

post-script: se bukowski ou mdme lispector pintaram, e achavam isso mais agradável que escrever, ótimo que eles tenham continuado a escrever e escondendo suas horrendades pictóricas. O garanhão só deve ter entrado no esquema (e não deveria?!) porque está velho demais para descer as colinas do Tibet matando milícias de traficantes (ver Rambo 4).

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Mais uma reflexão que tirei do livro de Luciano Trigo:

"Na França, essa polêmica ["democratização"/plurarização, mercantilização, espetacularização da arte] está em curso desde 1991. Lá o ataque à arte contemporânea se deu em três frentes:
- Essa arte não produz qualquer emoção estética, não comunica nada, nem exige talento do artista. Como não existem mais critérios de avaliação, qualquer coisa, feita por qualquer um, pode ser arte.
- A arte não tem substância, é vazia, tediosa e perde sua ambição crítica. É, em suma, um fraude, endosada apenas por aqueles que tiram algum partido do sistema de arte. Tornou-se uma mercadoria submetida à lógica especulativa e se desligou dos mais fundamentais valores humanos.
- A arte perdeu seu laço com a tradição e a História, passando a produzir novidades irrelevantes aleatoriamente, o que afasta o público - que nada entende, porque nada há para entender."

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Após outro parágrafo que achei muito interessante, encontro um critério artístico, que além de desbancar as artes plásticas contemporâneas como qualquer outro critério (seja qual for), traz de volta o passado que construiu o estado deprimente atual.

"A, por assim dizer, "aventura moderna" durou aproximadamente setenta anos. O pós-moderno já é trintão. Paradoxalmente, a produção artística do período 1980-2000 parece mais envelhecida e datada que a de qualquer artista ou movimento moderno. Este é o preço que a arte pós-moderna (ou pós-estética, ou contemporânea) paga pela sua capitulação total a uma lógica de obsolescência acelerada, ditada pelo fim da história da arte. Que artista dos últimos trinta anos tem a dimensão e a importância de um Picasso, de um Matisse - ou mesmo de um Marcel Duchamp?"

Aí está: importância comparada. Diferente de colocar obras umas ao lado das outras, fora de contexto, a importância remete ao efeito artístico da obra sobre cada sociedade.

segunda-feira, 18 de janeiro de 2010

Doze reflexões/provocações sobre a arte contemporânea

As artes plásticas, preguiçosamente chamadas de artes apenas, vêm sofrendo as violências que o cinema já se acostumou e que a literatura teima em resistir - apesar dos bestsellers. Esse caráter da literatura talvez esteja associado à própria forma de expressão: papel e letra, coisa que data aproximadamente de 3200AC, e que mudou pouco até hoje.


Doze reflexões/provocações sobre a arte contemporânea
(Luciano Trigo, A grande feira)

1. O movimento pós-moderno de integração da arte à cultura de massa é a antítese da atitude modernista de resistência à idéia da mercantilização da obra de arte. O pós-modernismo assinala a rendição incondicional da arte e de toda a produção cultural às forças do mercado neoliberal globalizado, que subordina a cultura aos interesses corporativos.

2. É evidente que, ao longo de toda a história, o artista teve que se relacionar de alguma maneira com o capital. Mas, hoje, o fenômeno se diferencia por seu alcance e por suas implicações inéditas: acabaram as brechas, nada escapa da atuação do capitalismo corporativa, ainda mais quando ele se associa ao Estado burocrático. A arte que esta aliança promove é instrumentalizada. O artista passa a atender a demandas orientadas para a maximização do lucro, a alienação política e a reprodução do sistema como um todo.

3. As grandes corporaçãoes tornaram-se os principais patrocinadores da arte, formando coleções milionárias, concedendo fundos para megaexposições nos museus etc. Tudo isso afeta não apenas a cotação dos artistas contemporâneos, mas também a sua própria produção, cada vez mais domesticada e alienante. As corporações compram barato e em quantidade, forçando em seguida a escalada da cotação de jovens artistas. É claro que continuam existindo artistas de qualidade, mas muitos acabam funcionando como inocentes úteis. Por outro lado, é natural que as corporações invistam numa arte compatível com seus valores, sua imagem e agenda.

4. Esse processo se profissionalizou, está integrado a um business plan; não se trata mais, simplesmente, de comprar peças decorativas, mas de uma séria e dispendiosa ação de marketing. Estima-se que, nos anos 1990, as vendas corporativas corresponderam a 25% dos negócios realizados no mundo da arte em Nova York. Ao associar-se à arte, as corporações estão comprando um valor simbólico que não encontram na mera publicidade paga. Daí a eficácia, por exemplo, da campanha da vodca Absolut, que torna transparente essa promiscuidade crescente entre arte e business.

5. O museu como instituição de guarda e conservação de patrimônio tem cada vez menos relevância. Mas em seu lugar surgiram, às dezenas, museus fast-food e filiais caça-níqueis de grandes grifes, com função de multiplicar as conexões da rede de produção e consumo num nível planetário - e estimular um novo e lucrativo entretenimento de massa, no qual se lançam novos produtos a cada temporada.

6. Como o mundo editorial e o mundo fonográfico, o mundo da arte se aproximou do supermercado, onde é fundamental estar exposto para ser "vendido" - e onde o preço alto é atrativo e garantia de qualidade, como nas lojas de roupas sofisticadas (que se parecem cada vez mais com galerias de arte). Por outro lado, a linguagem da publicidade se aproximou da linguagem artística.

7. A arte pós-moderna rejeita as idéias de progresso linear, bem como qualquer autoridade no juízo estético, ao mesmo tempo que pilha caprichosamente a história. Se um consenso sobre valores e crenças, o julgamento crítico perde a função. Sem um horizonte temporal no qual se inserir, a arte se atrela a uma lógica do espetáculo, e a produção artística perde a profundidade, apoiando-se nas aparências e nos impactos midiáticos instantâneos, numa série descontínua de reelaborações deliberadamente efêmeras. Como estrelas da cultura de massa, os artistas, que conseguem se inserir no circuito internacional passam a se preocupar com estratégias de marketing que os mantenham em evidência.

8. No modernismo, o movimento de aproximação entre artista e sociedade se inseria num projeto de transformação social. Hoje prevalece o imperativo capitalista de ampliar o público consumidor e reforçar gostos e valores que sustentam o sistema, através de uma rede onipresente tão ramificada que fica às vezes difícil dizer queme stá influenciando quem. Os movimentos especulativos que sempre afetaram o mercado financeiro passaram a determinar mudanças espasmódicas na arte: a obra de arte, como o dinheiro, se torna puro valor de troca. Transformada em puro capital especulativo, a arte se aproxima da condição da mais abstrata das mercadorias: o próprio dinheiro.

9. A consolidação da arte pós-moderna se process de fato com a passagem da cultura de massas para a cultura de mídias. A arte contemporânea abraça sem qualquer constrangimento a superficialidade dos reality shows.

10. Tudo isso acontece com o beneplácito das elites intelectuais, que demonstram uma receptividade acrítica sem precedentes ao que lhes é vendido como arte. Essa tolerância total acaba se confundindo com a indiferença, e a arte, em algum aspecto essencial, se torna irrelevante - ainda que economicamente, esteja cada vez mais valorizada. Só assim se entende que a obra Lullaby Spring (2002), deDamien Hirst, um prateleira de aço e vidro com 6.136 pílulas pintadas, tenha sido vendida, em 2007, por 19,1 milhões de dólares. Até novembro de 2007, essa era a obra mais cara de um artista vivo, mas foi superada por um coração de Jeff Koons, ex-marido da Cicciolina: a obra de Koons, em metal vermelho e pesando uma tonelada e meia, foi leiloada na Sotheby´s por 21,6 milhões de dólares.

11. Um problema específico do mercado da arte contemporãnea é a autenticação das obras, fundamental para a formação de preços. Como autenticar uma obra em vídeo, por exemplo, e disntigui-la de uma cópia falsificada? Ou uma obra sem original, como na arte virtual? Ou um múltiplo? Ou um obra que, por empregar material efêmero, precisa ser refeita periodicamente?

12. Esse expansão das linguagens artísticas, originalmente associada a um movimento de contestação do mercado, foi reintegrada ao sistema especulativo por meio dos mais conservadores recursos: a revalorização da assinatura e dos certificados de autenticidade, entre outros traços anacrônicos e convenções do passado, que reassociam a arte, mesmo em suas manifestações supostamente mais radicais, a uma lógica de consumo de luxo e de afirmação simbólica de uma classe social.

(blog velho do moço: http://lucianotrigo.blogspot.com)

terça-feira, 12 de janeiro de 2010

Em algum banco...

"(...) Em algum banco desta praça, ou andando embaixo das árvores, alguém que poderia ser meu amigo esteve ou estará; alguém, homem ou mulher, mais próximo dos meus gostos do que as pessoas com as quais vivo. Não verei nunca, não saberei que respirou a umidade de uma tempestade de verão enquanto cruzava a praça de Santa María e ia mudando ociosamente, por brincadeira e desesperança, a posição dos materais que compunham seu mundo. Talvez tenha decidido aqui mesmo, passo a passo sobre o pedregulho revolto, dedicar sua vida a um só propósito ou, dá no mesmo, renunciar a todos os propósitos. Para mim é igualmente fácil compartilhar sua fé e a risada um pouco assombrada, um pouco medrosa, com que acolherá ou acolheu sua renúncia."

Juan Carlos Onetti, Junta-cadáveres (uruguayo)

quinta-feira, 7 de janeiro de 2010

Traço de geração

Da crítica de Daniel Estill sobre o livro de Fabrício Corsaletti, publicada no jornal de litaratura Rascunho de dez/09:

"(...)
Essa narrativa-lamento é um traço de geração. De uma geração que aparentemente não sabe mais o que escrever e dedica-se interminavelmente a buscar o fundo perdido de seus próprios umbigos. São narradores que ecoam romances das décadas de 50 e 60, as vozes da literatura noir, os romances beat, Bukowski, Henry Miller, Salinger e toda uma gente que, naquela época, atacava o status quo com seus livros sujos e inovadores. Atualmente, esse tipo de livro transformou-se no próprio status quo e esses mastroiannis e suas doces vidas nada mais questionam além de seu próprio vazio e falta de projetos reais de vida.
(...)"