segunda-feira, 18 de janeiro de 2010

Doze reflexões/provocações sobre a arte contemporânea

As artes plásticas, preguiçosamente chamadas de artes apenas, vêm sofrendo as violências que o cinema já se acostumou e que a literatura teima em resistir - apesar dos bestsellers. Esse caráter da literatura talvez esteja associado à própria forma de expressão: papel e letra, coisa que data aproximadamente de 3200AC, e que mudou pouco até hoje.


Doze reflexões/provocações sobre a arte contemporânea
(Luciano Trigo, A grande feira)

1. O movimento pós-moderno de integração da arte à cultura de massa é a antítese da atitude modernista de resistência à idéia da mercantilização da obra de arte. O pós-modernismo assinala a rendição incondicional da arte e de toda a produção cultural às forças do mercado neoliberal globalizado, que subordina a cultura aos interesses corporativos.

2. É evidente que, ao longo de toda a história, o artista teve que se relacionar de alguma maneira com o capital. Mas, hoje, o fenômeno se diferencia por seu alcance e por suas implicações inéditas: acabaram as brechas, nada escapa da atuação do capitalismo corporativa, ainda mais quando ele se associa ao Estado burocrático. A arte que esta aliança promove é instrumentalizada. O artista passa a atender a demandas orientadas para a maximização do lucro, a alienação política e a reprodução do sistema como um todo.

3. As grandes corporaçãoes tornaram-se os principais patrocinadores da arte, formando coleções milionárias, concedendo fundos para megaexposições nos museus etc. Tudo isso afeta não apenas a cotação dos artistas contemporâneos, mas também a sua própria produção, cada vez mais domesticada e alienante. As corporações compram barato e em quantidade, forçando em seguida a escalada da cotação de jovens artistas. É claro que continuam existindo artistas de qualidade, mas muitos acabam funcionando como inocentes úteis. Por outro lado, é natural que as corporações invistam numa arte compatível com seus valores, sua imagem e agenda.

4. Esse processo se profissionalizou, está integrado a um business plan; não se trata mais, simplesmente, de comprar peças decorativas, mas de uma séria e dispendiosa ação de marketing. Estima-se que, nos anos 1990, as vendas corporativas corresponderam a 25% dos negócios realizados no mundo da arte em Nova York. Ao associar-se à arte, as corporações estão comprando um valor simbólico que não encontram na mera publicidade paga. Daí a eficácia, por exemplo, da campanha da vodca Absolut, que torna transparente essa promiscuidade crescente entre arte e business.

5. O museu como instituição de guarda e conservação de patrimônio tem cada vez menos relevância. Mas em seu lugar surgiram, às dezenas, museus fast-food e filiais caça-níqueis de grandes grifes, com função de multiplicar as conexões da rede de produção e consumo num nível planetário - e estimular um novo e lucrativo entretenimento de massa, no qual se lançam novos produtos a cada temporada.

6. Como o mundo editorial e o mundo fonográfico, o mundo da arte se aproximou do supermercado, onde é fundamental estar exposto para ser "vendido" - e onde o preço alto é atrativo e garantia de qualidade, como nas lojas de roupas sofisticadas (que se parecem cada vez mais com galerias de arte). Por outro lado, a linguagem da publicidade se aproximou da linguagem artística.

7. A arte pós-moderna rejeita as idéias de progresso linear, bem como qualquer autoridade no juízo estético, ao mesmo tempo que pilha caprichosamente a história. Se um consenso sobre valores e crenças, o julgamento crítico perde a função. Sem um horizonte temporal no qual se inserir, a arte se atrela a uma lógica do espetáculo, e a produção artística perde a profundidade, apoiando-se nas aparências e nos impactos midiáticos instantâneos, numa série descontínua de reelaborações deliberadamente efêmeras. Como estrelas da cultura de massa, os artistas, que conseguem se inserir no circuito internacional passam a se preocupar com estratégias de marketing que os mantenham em evidência.

8. No modernismo, o movimento de aproximação entre artista e sociedade se inseria num projeto de transformação social. Hoje prevalece o imperativo capitalista de ampliar o público consumidor e reforçar gostos e valores que sustentam o sistema, através de uma rede onipresente tão ramificada que fica às vezes difícil dizer queme stá influenciando quem. Os movimentos especulativos que sempre afetaram o mercado financeiro passaram a determinar mudanças espasmódicas na arte: a obra de arte, como o dinheiro, se torna puro valor de troca. Transformada em puro capital especulativo, a arte se aproxima da condição da mais abstrata das mercadorias: o próprio dinheiro.

9. A consolidação da arte pós-moderna se process de fato com a passagem da cultura de massas para a cultura de mídias. A arte contemporânea abraça sem qualquer constrangimento a superficialidade dos reality shows.

10. Tudo isso acontece com o beneplácito das elites intelectuais, que demonstram uma receptividade acrítica sem precedentes ao que lhes é vendido como arte. Essa tolerância total acaba se confundindo com a indiferença, e a arte, em algum aspecto essencial, se torna irrelevante - ainda que economicamente, esteja cada vez mais valorizada. Só assim se entende que a obra Lullaby Spring (2002), deDamien Hirst, um prateleira de aço e vidro com 6.136 pílulas pintadas, tenha sido vendida, em 2007, por 19,1 milhões de dólares. Até novembro de 2007, essa era a obra mais cara de um artista vivo, mas foi superada por um coração de Jeff Koons, ex-marido da Cicciolina: a obra de Koons, em metal vermelho e pesando uma tonelada e meia, foi leiloada na Sotheby´s por 21,6 milhões de dólares.

11. Um problema específico do mercado da arte contemporãnea é a autenticação das obras, fundamental para a formação de preços. Como autenticar uma obra em vídeo, por exemplo, e disntigui-la de uma cópia falsificada? Ou uma obra sem original, como na arte virtual? Ou um múltiplo? Ou um obra que, por empregar material efêmero, precisa ser refeita periodicamente?

12. Esse expansão das linguagens artísticas, originalmente associada a um movimento de contestação do mercado, foi reintegrada ao sistema especulativo por meio dos mais conservadores recursos: a revalorização da assinatura e dos certificados de autenticidade, entre outros traços anacrônicos e convenções do passado, que reassociam a arte, mesmo em suas manifestações supostamente mais radicais, a uma lógica de consumo de luxo e de afirmação simbólica de uma classe social.

(blog velho do moço: http://lucianotrigo.blogspot.com)

2 comentários:

camila f. disse...

Jesuis! 3 dias de leitura! Me aguarde, espero conseguir fazer algum comentário...besos

Ive Negrini disse...

é a linguagem [ou arremedo d'arte]na berlinda...e pensamos um tanto sobre as "perversidades" do moderno e contemporâneo. Dum mercado de arte tendenciosa [ou tediosa]
Função nossa a de espalhar essa elucidação criativa...