terça-feira, 6 de outubro de 2009

Sinistro

.......Pelas oito horas da noite, Juca havia se perdido em alguma parte de um bairro vizinho. Não sabia muito bem o que fazer, se andava mais ou se sentava e descansava um pouco. Ele olhava os raros automóveis que passavam torcendo para que alguém o reconhecesse, porém nenhum parou.
.......Por fim, sentou-se no meio-fio e ficou olhando os bichos voarem ao redor da luz do poste. Perguntava-se se conseguiria comê-los, mas logo imaginava um monte de mariposas voando dentro da sua boca e a boca inchando com as asas batendo lá dentro.
.......Soltou um suspiro e enfiou as mãos nos bolsos.
.......Em um deles havia um fusquinha vermelho, já sem os vidros, e no outro uma tampinha de garrafa e uns tocos de giz. Tirou a tampinha e começou a jogá-la para cima como se invocando a sorte pudesse recordar como chegara ali: Mirinda retornaria para casa, fundo da tampinha ficaria pela rua.
.......Foi contando as Mirindas até que ouviu um barulho de garrafa batendo no chão. No silêncio daquele bairro desconhecido, Juquinha avistou a três quadras uma pessoa pequena ajoelhada na esquina com umas luzinhas em volta. Na frente dela, havia uma bacia e uma garrafa da qual a pessoa tomava uns goles.
.......O menino guardou a sorte acumulada e, nunca tendo visto tal brincadeira, dirigiu-se para a esquina. Enquanto caminhava furtivamente, pensava numa recomendação da mãe, mas que naquele caso, curioso como estava, respondia mentalmente que estranho a gente deixa de estranhar depois que conhece.
.......Quase perto, ouviu-se um grito de Maria!, e a moça, agora dava para ver, levantou-se num já e saiu correndo.
.......Por sorte, deixara tudo como estava, as velas acesas, a garrafa e a bacia que era um cestinho de palha enfeitado com papel de presente, flores e umas penas vermelhas.
.......Contente por não precisar contrariar a mãe, Juquinha chegou à luz das velas e contou cinco delas, uma mão cheia que havia sido o seu aniversário. Pegou um giz e começou a desenhar uma pista para o seu carrinho. Uniu os pontos onde estavam as velas formando um círculo. Depois, para não ficar chato, e ele sabia que as ruas se cruzavam, ligou as velas diretamente pelo meio. Afastando o cesto que estava no caminho Juquinha viu que escorria uma gosma vermelha. Pela primeira vez olhou direito o que havia ali dentro.
.......Uau!, foi a sua reação e levantou-se num susto. De cima percebeu que a sua cidade havia tomado a forma de uma estrela e como as outras estrelas a sua também brilhava.
.......Sentou-se contente e concluiu que havia sido um dia e tanto: perdera-se, brincara com velas, vira uma galinha morta e havia desenhado uma linda cidade em forma de estrela.
.......Logo em seguida adormeceu.
.......Depois desse grande dia, Juquinha nunca mais foi visto.

30/set/09

3 comentários:

camila f. disse...

Nossa! É a mesma pessoa que escreveu todos os outros textos?!?!? Super amei! Será que eu não gostava só pelos temas? Será o estilo. Tô surpresa. E continuo com saudades viu?! Bjão

R. disse...

Ah, o Juquinha.

Gosto bastante da parte da estrela. E só. Os pensamentos não condizem com os de uma criança de cinco anos. Não os das minhas crianças de cinco anos (elas não refletem sobre o dia, por exemplo). E o final foi uma saída muito fácil, senhorito. Esperava mais.

Acabo de perceber que é mais fácil comentar friamente sabendo pra que e em que contexto foi escrito um conto antes de lê-lo. Nem gostei.

=*

gil disse...

Sobre a criança pensar à frente do seu tempo tudo bem. Ela podia ser mais "animal".
Só que o desfecho não está ruim não.