segunda-feira, 3 de maio de 2010

Bienal se rende à pichação

É claro que ninguém mais lembra o que houve na última Bienal de SP, tamanha é a adoração e a cegueira pela street art (se eu escrevo em português, ninguém entende). Pois aí vai uma matéria interessante que levanta pontos-chave nessa discussão (há discussão??) em vez da idolatria que vemos em todo lugar, até nas pessoas que eu achava críticas. Se a arte de rua está ganhando um status nobre, transformando-se em Arte, não é sutil nem pequena a automutilação que ela se faz para agradar ao gosto da elite, ou, em outras palavras, para enquadrar-se na estética tradicional.

(Obrigado à Raquel pelo constante envio de informações sobre o assunto)

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Bienal se rende à pichação
via Ministério da Cultura - MinC de Comunicação Social/MinC em 19/04/10

Bienal de São Paulo abre espaço - agora de forma consentida - para a pichação dividindo a opinião pública e apimentando a discussão sobre o conceito de arte

Carolina Leão cleao@jc.com.br

Especial para o JC

Desde que as vanguardas passaram a ter sua potência transgressora assimilada às academias tradicionais, um fantasma começou a rondar a discussão sobre arte. Toda subversão poderá ser domesticada pelas instituições oficiais? O debate é antigo, mas não se esgota. Na última quinta-feira o curador Moacir dos Anjos apimentou a questão ao anunciar a participação de pichadores na 29ª Bienal de São Paulo, que acontece em setembro na capital paulista. O convite surgiu após encontros realizados entre a comissão crítica do órgão e artistas de rua, responsáveis, em 2008, por uma das maiores polêmicas da história da instituição - quando o segundo andar do pavilhão da mostra, apelidada de Bienal do Vazio, foi invadido e pichado. O anúncio veio na mesma semana em que a Prefeitura do Rio de Janeiro confirmou pichações na estátua do Cristo Redentor.


A notícia mais uma vez dividiu a opinião pública e traz questionamentos sobre o conceito de arte e sua dimensão política - este último ponto é o tom da próxima Bienal (que vem com a missão de recuperar o status crítico de sua trajetória). Em outubro de 2008 a invasão do pavilhão vazio da Bienal virou caso de polícia quando 50 pichadores driblaram a segurança e, entre socos e pontapés, picharam vidros e paredes. O curador Ivo Mesquita condenou o ato e tratou os invasores como vândalos. Artistas e intelectuais saíram em defesa dos pichadores, que tiveram apoio ainda de membros de organizações de direitos humanos. O ministro da Cultura, Juca Ferreira, também saiu em defesa.


A teórica da arte Maria do Carmo Nino, da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), lembra de um ponto importante: só há pichação se houver proibição. A presença de pichadores na Bienal não será pela performance dos artistas de rua, no entanto.


A mostra investe no debate político exibindo vídeos, fotos e discussões com pesquisadores e especialistas. “Trazer a pichação para a Bienal seria subverter sua dimensão contestatória. O que vai haver é uma ilustração do picho”, coloca Maria do Carmo. A pesquisadora parabeniza a iniciativa da curadoria que, segundo ela, traz a questão política como foco, mas lembra: “Há um risco grande. Ela se arrisca a passar pelo julgamento sumário, que pode colocá-la como legitimador do picho”, argumenta.


O sociólogo Paulo Marcondes Soares, também professor da UFPE, lembra que quem legitima o que é arte são as instituições políticas e culturais, a exemplo das academias, universidades e grandes galerias. Associada à marginalidade e ao vandalismo, envolvendo questionamentos sobre cidadania e inclusão social, a pichação vem aos poucos passando por um processo de “aceitamento” como arte, com letra minúscula, sempre.


O pernambucano Galo de Souza, artista de rua, é um dos que reivindicam o status da pichação como expressão estética. “A pichação no BRASIL é uma referência global. Quase todos os países utilizam a fonte de São Paulo. Quem estuda design sabe que sua iconografia é muito forte”, defende. Para ele, no entanto, a cultura da pichação é generalizada como discussão a ser colocada apenas como um problema social. “É uma arte tanto quanto outra”, diz. Galo afirma que a pichação não precisa da Bienal. “Mas é importante que ela (a arte de rua) reflita sobre sua história.”


Marcondes compartilha da opinião do grafiteiro. “É um debate que a esfera artística não reconhece. E isso é também uma questão política. O papel do curador é totalmente coerente. Nos leva a pensar e refletir.” O sociólogo aponta ainda para a ambivalência do tema quando se analisa a recuperação domesticada de intervenções urbanas como o grafite, linguagem para onde vêm se deslocando antigos pichadores “É uma rebeldia tolerada, consentida”, coloca.


Essa contradição, explica o curador Moacir dos Anjos, será um problema que a 29ª Bienal terá que lidar. “Pois, se o que faz o picho ser arte é justamente o fato dele desconcertar nossos sentidos e nos fazer admitir, mesmo quando estamos no conforto de nossos carros ou na janela de um apartamento alto, que existem outros modos de entender e de inventar o mundo. O que acontece se o picho é trazido para o ambiente controlado, conhecido e decodificado do chamado campo da arte? Ele mantém sua potência ou se torna mera ilustração ou lembrança de si mesma?”, questiona Moacir enfatizando a grafia do picho com x, tal como é utilizado na gíria popular.


(acaba aqui a matéria)

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Em 2008, o texto de divulgação da Bienal de SP dizia assim sobre o segundo andar do prédio:

II – O Vazio:

A exposição do espaço vazio do segundo andar do pavilhão será um gesto radical de afirmação deste momento para elaborar e analisar sobre o modelo das bienais, seu papel no mundo contemporâneo. Esse gesto simbólico toma o vazio como o lugar onde as coisas são em potência, por isso pleno e ativo, ao contrário de uma manifestação niilista, onde as coisas deixam de ser e perdem o sentido. Ele é fonte geradora, o território do devir, com possibilidades de múltiplos caminhos para ser cruzado.


As coisas são em potência, não-niilista, território do devir: vati pá puta que pariu!


E quando o local realmente adquire toda essa pseudo-essência teórica com:


a bienal se transforma num escritório comercial e vem a polícia prender os pivetes e a mídia desqualifica (quanta situleza da minha parte) e o poder público chama de vandalismo.


Mas o que é engraçadíssimo (quase caio da cadeira) é que apenas dois anos se passaram e a prefeita de Melbourne, na Autrália, pede desculpas ao Mundo por ter apagado sem querer um stencil do Banksy. E mais, o MASP chama "artistas de rua" para fazer "arte de rua" DENTRO da instituição!

Bom, ou eu tô gagá ou está acontecendo algo esquisito. Arte de rua entre quatro paredes ou em revista ou na internet pra mim é igual figurinha que vem em chicletes, uma falsificação tosca.

Se não tem a rua, então ela está morta!


PS: A coerência é um treco tão demodê que a gente até esquece que ela existe e que sensação gostosa ela nos traz: a única vez que ouvi falar do Banksy num museu foi com esse vídeo. Nada de street art, apenas o espírito de protesto e resistência (diferente do entreguismo geral). Sem dúvida, um grande artista.

5 comentários:

livy disse...

"Especial para o JC"
olhaí, pra jesus, pra vc!

Nida Ollem disse...

Lembrei do Alexandre Orion, que fez a série Metabiótica, integração fodaça entre arte urbana (stencil) e fotografia.
Aqui tem uma entrevista dele, publicada na Cult de abril, que vale ser lida até a última linha: http://revistacult.uol.com.br/home/2010/04/a-arte-urbana-de-alexandre-orion/

Nida Ollem disse...

Ah, eis o site dele: http://www.alexandreorion.com/_orion.htm

gil disse...

Alexandre Ório é muito bom. Vi a exposição de fotografias da Metabiótica na Caixa Cultural de Curitiba. Idéia, discurso, expressão, técnica: tudo perfeito.

A resposta dele à última pergunta resume minha indignação e me sinto contente de não ser o único a achar ridículas essas porcarias que vêm sendo institucionalizadas.

R. disse...

Um grande pau no cu da institucionalização da arte. Mas o pixo eu realmente acho que eles não vão conseguir. Assim como o grafite, tu podes chamar de arte e vender a milhares na porra de um museu? Pode. Uma pixação enorme no bairro de sampa vai continuar sendo uma pixação (mesma coisa pro graffiti). Vai incomodar igual, vai invadir o sagrado espaço da propriedade privada igual. E o Banksy faz filme, expõe, os Gêmeos dão entrevista mas os dois continuam por aí "espalhando sujeira" pelos muros públicos e privados da cidade. A discussão é MUITO maior que essa, é. Mas isso eu deixo pro vinho e cachimbo abastecerem.