quinta-feira, 23 de julho de 2009

A decadência do Ocidente, O. Spengler

Uma cultura nasce no momento em que uma grande alma despertar do seu estado primitivo e se supreender do eterno infantilismo humano; quando uma forma surgir em meio ao informe; quando algo limitado, transitório, originar-se no ilimitado, contínuo. Floresce então no solo de uma paisagem perfeitamente restrita, ao qual se apega, qual planta. Uma cultura morre, quando essa alma tiver realizado a soma de suas possibilidades, sob a forma de povos, línguas, dogmas, artes, Estados, ciências, e em seguida retorna a espiritualidade primordial. Mas a sua existência viva, aquela série de grandes épocas, cujos rígidos contornos designam o progressivo arremate, é uma luta íntima, profunda, passional, com o objetivo de afirmar a idéia contra as forças do caos, no exterior, e contra o inconsciente, no interior, para onde elas se retiraram, agastadas. Não somente o artista luta contra a resistência da matéria e o aniquilamento da idéia. Todas as culturas encontram-se numa relação simbólica, quase mística, à extensão, ao espaço, dentro do qual e por meio do qual tencionam realizar-se. Alcançando o destino, realizada a idéia, a totalidade, das múltiplas possiblidades intrínsecas, com a sua projeção para fora, fossiliza-se repentinamente a cultura. Definha-se. Seu sangue coagula. Seu vigor diminui. Ela se transforma em civilização. Eis o que sentimos e depreendemos das palavras "egipticismo", "bazantinismo", "mandarinato". Talvez seja tal cultura ainda capaz de estender durante séculos e milênios seus galhos mortos ao alto, igual uma árvore gigantesca, ressequida, na mata virgem. É o que se observa na China, na Índia, no mundo islâmico. A civilização "antiga" da fase imperial erguia-se, gigantesca, com aparente viço e exuberância juvenil; mas, na realidade, o que fazia era privar de ar e de luz a jovem cultura árabe do Oriente.

Este é o sentido de todas as decadências na História, da conclusão íntima e extrema, do acabamento que, inveitavelmente, aguarda a qualquer cultura viva. A que mais nitidamente se nos depara, quanto aos seus contornos, é a "decadência da Antiguidade". Mas já podemos perceber com absoluta clareza, tanto dentro de nós como ao nosso redor, os primeiros sinais de um acontecimento perfeitamente semelhante, no que se refere à sua duração e ao seu transcurso, e que ocorrerá nos séculos iniciais do próximo milênio. Trata-se da nossa própria decadência, da "decadência do Ocidente".

(texto de 1924. Minha edição, da Zahar editores, de 1973, foi condensada por Helmut Werner)

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O que foi o grande acontecimento artístico de Duchamp: levar um mijador para o museu?
O que é a proliferação de contos, crônicas, blogs, vídeos, músicas: a massa expressando sua tosquidade, opinando impulsivamente o que dá na sua telha feita nas coxas da ridícula burguesia?
O que é usar a própria vida, a banalidade do cotidiano - e a exaltação desse uso - em sua falta de sentido como tema para a arte, para essa atividade humana que melhor dá sentido à vida?
O que é viver a vida, apenas ela, aqui e agora, concentrando o êxtase, negando dois mil anos de paraíso futuro, ou, nos dois últimos séculos, o projeto, seja econômico ou político; em outras palavras, a Utopia?
Por que as mentes brilhantes contemporâneas, e mesmo as medíocres, apenas lapidam, modulam, reformulam, "olham por outro prisma"? Estudam e estudam apenas para perceber o que elas não querem? (não me venha dizer que não há nada novo sob o sol e bla, bla, bla)

O fim apenas dá abertura para um início.

Até lá, continuarei um rabugento* apocalíptico de vanguarda.

(*Adjetido derivado de rabugem que significa tipo de sarna de cães e porcos)

4 comentários:

camila disse...

Garçom, traz mais uma gelada pra esse aí! =P

Nida Ollem disse...

Vc e seu olhar elitista. Não que eu defenda a mediocridade, mas no momento que vc generaliza assim - a massa é medíocre e ponto - fica elitista. Acho que vc tem que olhar para o fenômeno de agora - meios de comunicação e criação artística - com olhos de agora, não com olhos de exuberância do passado. E, claro, não será por olhar com olhos de agora, que tudo será lindo.

gil disse...

Não é um olhar elitista. Vê que se há pessoas burras e inteligentes (isso é um fato), em suas diversas inteligências e burrices, existe uma grande maioria que é mediana - em suas diversas capacidades. Quando essa maioria torna-se capaz de expor suas idéias (o kitch é exatamente isso: a maioria imitando/deformando a elite, seja cultural, econômica, etc.), o nível cultural é empurrado para a média, seja de baixo para cima, ou o contrário, tanto faz.

São fenômenos que a cultura de massa nos mostra, nos afirma.

A banalidade cotidiana é um tema legítimo, óbvio. Tudo isso que está sendo feito no campo das artes, se não for esquecido, abrirá novas portas para futuras percepções. Mas no momento, a fase de experimentação ad infinitum, típica da modernidade deslumbrada, não acabou e a gente acaba se cansando.

Não há descaso, desmérito, desprezo no meu comentário nem no texto que citei. (Apenas quando me refiro à burguesia, que é um troço horripilante).

camila disse...

É elitista. E se minha preguiça descarada em dias de frio me permitir, mais tarde escrevo com mais calma sobre meu ponto de vista aqui pra vc. Ou melhor...fica o convite para uma caminhada, dois dedos de prosa e por favor, café quentinho. Em Jaraguá, claro. Pra que vc possa apreciar a vista...por outro ângulo.