sábado, 18 de julho de 2009

A compra

........- Ouviste esse barulho?
........- Não.
........- Presta atenção, deve soar de novo.
........Cida tomou um gole de vinho. Olhou para um canto da parede e aguardou.
........- Só ouço os carros passando.
........Servi mais um pedaço de pizza para ambos e sentei-me ao seu lado.
........- Semana passada, quando fui naquela rua de móveis usados, vasculhei tudo quanto é canto para encontrar o que estava faltando para a casa. Essa mesa e a estante foram fáceis. Mas o fogão, àquele preço, tive que procurar.
........“Finalmente, entrei na loja de um senhor de meia idade que, encostado na entrada, aquecia seu bigode grisalho ao sol. Sem vir para a sombra do interior, onde eu olhava suas coisas, disse que havia chegado material de uma casa antiga, demolida semana passada. Mostrou-me o que tinha salvado e havia muitos móveis de luxo. Disse-lhe que aquilo não me interessava. O que precisava era de um fogão barato.
........- Olha, meu senhor, terei apenas esse aparelho aí. Está um tanto usado, como pode ver pela fuligem do forno, mas posso dar uma ajeitada nele pra amanhã.
........Nesse momento, uma mulher que estava entrando olhou-me examinando o forno e soltou tamanho gritinho que a portilhona me escapou, bateu com tudo e espalhou aquele pó preto na minha calça.
........- Oh, Marcelo! Que estais fazendo com esse fogão? Desculpe senhor, mas não está à venda, não.
........A mulher levou o vendedor para um canto da loja cheia de esquinas e disse-lhe baixinho:
........ - Como pudeste trazer aquela coisa para cá, Marcelo? E, ainda por cima, a estais vendendo?!
........Me aproximei. Havia percorrido os antiquários a tarde inteira e queria voltar para casa.
........- O que que tem o fogão?
........- Veja bem, senhor. Minha mulher está preocupada com uma história. Apenas uma fofoca que circulou após a morte de meu irmão.
........- Pode contar, oras. Desde que funcione, pretendo levar a peça.
........- O que acontece é que meu marido trouxe as coisas da casa de seu irmão, pois venderam o terreno a uma construtora. O homem matou o filho e depois se enforcou no jardim.
........- Milena!
........- Não me interrompa! O moço disse que queria saber.
........“O irmão não podia ter filhos, vivia frustrado. A mulher, entretanto, não podia reprimir sua própria natureza: um dia, minha cunhada teve um bebê e trouxe-o para casa. Nós a apoiamos, claro, mas o marido ficou furioso. Passava o dia infernizando a mulher, pois como dizia, a criança atormentava-o de noite. E além disso, tinha uma honra, uma imagem para zelar.
........“Bom, de tanto xingar as pessoas e quebrar as coisas, amansou: não falava mais nada. Quando íamos visitá-los, lá estava ele, sentado na varanda, olhando para o quintal. Dava medo ver aquele homem assim.
........“Foi então que o bebê completou um ano, e após a festa de aniversário, enquanto dormia, o irmão dele levou a criança para a edícula e trancou-a no fogão. É... neste aqui, sim senhor.
........“Quando a mãe ouviu a criança batendo na lata já era tarde. A porta do forno estava acorrentada e o marido pendurado no ipê do jardim com a chave no estômago.
........“Todos sabem que ele fez isso para matá-la de desgosto por tê-lo traído. E ela acabou se suicidando mesmo."
........Quando ia contar o final da compra, ouvimos um forte estalo na cozinha.
........Cida olhou arregalada para minha calça suja e sua boca começou a tremer.

2 comentários:

Nida Ollem disse...

Curti!

Anônimo disse...

MARAVILHOSO!!
FANTÁSTICO!
gostei muito...
Susan Blum