quarta-feira, 19 de janeiro de 2011

O feijão e as coisas

Um momento em que a gente se sente sabido e com as rédias do mundo nas mãos é quando lemos o jornal diário. Diariamente sentamos na cadeira da sala, um cotovelo apoiado à mesa e a luz do meio dia entra difusa porém intensa (um pouco menos se está nublado). É nesta conjuntura que os fatos se mostram domesticados, como letras numa folha de papel, e o almoço está sendo preparado na cozinha.
Eu não me meto em assuntos culinários, tem gente que faz melhor que eu, porém, naquele instante, manifestou-se de pronto o meu olfato. Não se pode fazer nada contra um cheiro. Mesmo tapando o nariz, parece que essa presença intrusa impregna-se por outra parte qualquer, se não pela boca, pelos ouvidos, sei lá eu.
Então eu disse para o lado:
- Ô lurdes! O feijão não tá queimando, não?
Uma pergunta apenas, pergunta-ajuda, dessas que a gente solta preocupado e não percebe que despencou da escada. Mal tinha mudado de linha e ela começou a resposta:
- Êee...
Era uma reprovação. Só aí já tinha percebido que havia entrado mal na cozinha.
- Êee-eia, joão. Cê fica aí lendo o jornal e não sabe o que acontece fora dessa cadeira, né?
Pronto. Não se pode opinar sobre nada ou ajudar. A gente está tranquilo e de repente vem uma vassourada. Virei duas páginas para ventilar aquele fudum e ela continuou:
- Se tivesse prestado atenção nas coisas fora dessa sua cabeçona esperta teria ouvido a zeladora.
Era só o que faltava, a zeladora. Essa mulher só fica zanzando pra cima e para baixo com o cachorro, sujando tudo e depois reclama da limpeza. Conversa com todo mundo aos berros, nunca vi. Parece que só percebo o que ela diz quando estou dormindo e, às 7 da manhã!, acordo.
Mas quando a gente não sabe, tem que perguntar. E eu ia fazer isso quando ela emendou rapidamente:
- Acabô de gritar pelo corredor, agorinha mesmo, que tá o maior zuê lá na rua. Passô helicóptero, bombeiro, tudo! Tem algum prédio pegando fogo!
Olha só, um prédio pegando fogo... Muito mais interessante que um feijãozinho passado do ponto. Ainda bem que a lurdes tem senso do dever. Imagina se vai pra rua e deixa tudo aqui: seria duas catástrofes!
Tomei um susto quando ela apareceu na porta:
- Cê tá aí ainda se abanando com essa porcaria? Vai lá vê, cacilda!
Aquilo tinha interrompido uma notícia sobre como a retirada das tropas norte-americanas do Iraque iria diminuir o preço do petróleo. Sabe-se lá como aconteceria isso, mas os analistas estão aí fazendo seu trabalho e mesmo com a mudança de governo no Brasil e a crise tendo passado o IPI e o IPVA continuarão reduzidos. No final, as coisas se encaixam bem, me parece.
Mas, na verdade, tudo isso não faz a menor diferença. Em meia hora acabamos o jornal e é pra isso que ele serve: distrair enquanto o almoço não sai. Afinal:
- Tá pronto isso aí?



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