quinta-feira, 1 de julho de 2010

sobre mictórios

"Na ponte de St. Cloud páro de uma vez. Não estou com pressa. Tenho o dia inteiro para jogar fora. Deixo a bicicleta embaixo da árvore e vou ao mictório dar uma mijada. É tudo de pedregulho, até o mictório. Enquanto fico ali parado olhando para as fachadas das casas, uma moça recatada inclina-se para fora de uma janela a fim de olhar-me. Quantas vezes fiquei assim neste mundo sorridente e gracioso, com o sol caindo sobre mim e os pássaros chilreando loucamente, e encontrei uma mulher olhando-me de uma janela aberta, com seu sorriso esfarelando-se em pedacinhos moles, que os pássaros recolhem com o bico e depositam, às vezes, na bacia de um mictório onde a água gorgoleja melodiosamente e um homem vem com a braguilha aberta e derrama o fervene conteúdo de sua bexiga sobre as migalhas que se dissolvem. Assim, parado, com o coração, a braguilha e a bexiga abertos, eu pareço recordar todos os mictórios em que já entrei - todas as mais agradáveis sensações, todas as mais voluptuosas recordações, como se meu cérebro fosse um enorme divã coberto de almofadas e minha vida uma longa sesta em uma tarde quente e sonolenta. Não acho tão estranho que a América tenha colocado um mictório no centro da exposição de Paris em Chicago. Acho que aquele era o lugar dele e acho que foi um tributo que os franceses deveriam apreciar. Na verdade, não havia necessidade de hastear a tricolar por cima dele. Un peu trop fort, ça! No entanto, como pode um francês saber que uma das primeiras coisas que atraem o olhar do visitante americano, que o emocionam, que o aquecem até às próprias entranhas, é esse mictório onipresente? Como pode um francês saber que aquilo que impressiona o americano ao olhar para um pissotière, uma vespasienne ou seja qual for o nome que lhe dêem é o fato de encontrar-se no meio de um povo que admite a necessidade de mijar de vez em quando, que sabe também que para mijar a gente precisa usar um mictório, que se isso não for feito publicamente tem que ser feito privadamente e que não é mais absurdo mijar na rua que em um subterrâneo onde algum desleixado funcionário possa vigiá-lo para impedir que faça sujeira."

Henri Miller

3 comentários:

Gabriel Rachwal disse...

excelente.

GBA disse...

lembro que em Lyon fui num mictório em praça pública cheia de criancinhas correndo - ils sont fous ces enfants - onde minha privacidade se resumia a parede à minha frente.

Livy disse...

haha na frente de um mictório desses ainda tem uma ciclovia. Civilizadíssimo!