sexta-feira, 11 de fevereiro de 2011

Semáforo de bicicleta

Finalmente alguém pôs a idéia em prática!
É mandar bala pela cidade, porque tá na hora dos carros dividirem o espaço urbano.

domingo, 6 de fevereiro de 2011

Ela que tomava cerveja no café

        Quando se vai a um café procurar a mulher que escreve sozinha numa mesa de fundo, já se sabe falida a idéia. Entretanto, não sei, então, o que vou fazer nesses lugares. Sento ao meu fundo, virado para a entrada, ouvindo as garçonetes moerem acordes modernos em seus movimentos e interjeições. Nem sabem o que fazem, que moderno é tecnologia de ponta, coisa futurista.
        Cada vez que se abre a porta, entrevejo a rua escura, uma nesga de farol que passa, o ruído de máquina: tudo isso como uma possível sagração urbana do inverno.
        Me estico, um movimento interrogativo, e só.
        Às vezes desisto desse meu canto. Hoje, por exemplo. Peço outro café, puro carvão diluído, alimento da minha amargura premeditada. Gorki não entrava em cafés, o Máximo, ainda mais nesses pseudo-franceses tirados da cartola, à revelia de qualquer rigor estético. Vim e vi: a placa diz “café e mercearia”. Não há possibilidade de vitória, fico apenas vislumbrando: em que parte do mundo ouve-se jazz-cigano numa mercearia com cara de boteco da rue du Palais?... Imagino simplesmente.

        De repente, a porta. Sinto algo estranho. Uma penumbra viscosa rasteja para dentro, trazendo o cheiro de diesel queimado e um pouco de poeira. Ali, lentamente, naquele gesto aveludado de soltar a maçaneta, ouço Schumann. Ela entra em lá menor, soturna. Deixo soar o piano, noturno. E o galope blasé que atravessa o vestíbulo extasia-me, afinal.
        Deixo...
        Afinal, fui eu quem veio procurá-la.

        De propósito, ela senta no meu canto do fundo, onde entram e saem os pedidos, as garçonetes. Não saem homens, eles sempre ficam atrás do balcão. Mesmo nesse tipo de mercearia, onde abundam os gays de todos os sexos, eles não saem, continuam designando. Sempre elas, andando e vestindo sua grosseria machista. Respondo tomando café sem açúcar, como tem que ser. Não seria diferente numa espelunca balcânica, gitana até na mancha de vinho no balcão? Claro que seria. O velhinho sérvio tocando acordeão em língua ruidosa; sem dúvida, soaria tão lindo como a última sarabanda de Bergman. Também atenderiam elas, mas saracoteariam suavemente, a lascívia escorrendo pelas pernas e mãos, pelos sovacos peludos. Vejo isso tão distante desse saloon onde se impõem certas ladys...
        Putas não têm aquele quê de saudade, não, não. Nem em Henry Miller, quem dirá numa viela curitibana: elas deixam é a conta. Mesmo assim, querem me convencer de que é possível sublimar uma rameira na cama.
        Em meio a tantas referências, esse lugar não passa de uma utopia, entra-se como num espelho que leva a outro mundo, fantástico, cheio de aleatoriedades descontextualizadas (armazém, estava escrito?!), que na verdade apenas entulham a estrada de tijolinhos amarelos.
        Sim, vim por uma mulher. Uma, confirmo. E já (sempre, na verdade) me sinto frustrado. Como se não bastasse a confirmação do u.topos, a falta do ethos ridiculariza meu romantismo, mesmo com um entrada tão charmosa. Passou por mim e nenhum cheiro ficou. Tão fantasioso que sou dos suores e perfumes, fico sem pistas. Vinda de um dia inteiro. Essas, suas últimas horas entre as pessoas. Minhas únicas, atalharia; planejadas para esse acaso.
        O destino que escolhi sempre me pareceu uma roleta russa com cinco balas no tambor. Penso no atoleiro em que a Fortuna encalhou tão profundamente quando tentava atravessar o Principia newtoniano, enquanto uma mocinha de suspensórios largados ao lado da perna entrega a cerveja na minha mesa do canto no fundo. Espuma escura, descuidada, em exagero. Tudo soa gasto novamente.
        Fico observando seus olhos incolores apoiados no copo. Estão rodeados por uma leve borra de café que me atrai. Bem que tomaria um macchiato dessa vez, se a atendente não revelasse no sorriso uma dobra de rancor, coisa de quem apanha e não gosta. Eu que tive pai, reconheço de longe essas rugas.

        Na era do mau gosto – esta nossa era, diga-se de passagem –, todos são in. Um desfile do ridículo. Digo isso pois obviamente nasci no tempo errado. Para mim, as peças não se encaixam, entram sempre forçadas, deformadas. Mas quem não finge isso? Quem não se coloca no lugar errado só para sentir o conforto do retorno? Onde está meu espresso com leite?! Preciso de mais tempo para as minhas justificativas.
        Não que eu seja in, é impossível. Me apresento da forma mais natural. Sapato e calça vincada, pretos. Colete por cima da camisa bordô escuro. Um relógio de prata cruzando a abotoadura e o bigode encerado. Eu até apostaria minha cabeça com o diabo para poder roçar o lábio no teu pescoço, minha cara Lenore, mas tu não me notas.
        E o seu desprezo me diz: eu me basto e nada mais...

        - Garçonete, poderias trazer-me pasta de berinjela com torradas, por favor.
        - Não tem mais.
        - Então, um croissant de rúcula com tomate seco, por gentileza.
        - Estamos fechando a cozinha.
        - Mas nem para esquentar no micro-ondas?!
        - Cê que sabe.

        Arh! Antes tivesse pedido uma coxinha para não passar por essa humilhação.

        Hum... ela vai ao banheiro. O andar, essa soberba, eu fico paralisado. Todos sabem que a arrogância nasce do auto-conhecimento. Não posso deixá-la ir embora.
        Mas é exatamente o pavor que me atrai e me joga para a cadeira ao lado da dela. Sento, inspiro, passo o dedo na beirada do copo e provo a espuma. Oh, doce amargo... esse sabor quente... essa presença que surge na minha frente!
        - Oi.
        - Achei que já tinham desocupado a mesa.
        - Não, ainda estou terminando a cerveja.
        - Calharia se eu, err...
        - Cê que sabe.
        Fecho os olhos e esfrego a testa com aquela frase. “Cê que sabe”.
        Não era para ser assim. Lanço o olhar para a porta e percebo que não há mais esperança. Fiz o meu lance errado.
        - Aqui, sua coxinha.
        - Desculpe senhorita, mas eu não pedi tal iguaria!
        - Era o que tinha. O cozinheiro já foi embora.
        Mas como, como alguma coisa nessa vida pode sair bem feita dessa forma?! É uma esculhambação sem fim. Um carnaval na nossa própria cara! Uma pessoa correta não pode mais estar bem, estar tranquila? Era necessário agora isto? Eu realmente me pergunto se tal peraltice era necessária, hein?
        Vou-me embora! Ah, se não vou. E deixar-te-ei sozinha, para que te afogues nessa espuma bolorenta.
        Pago a conta jogando uma nota de vinte no balcão e bato a porta na saída. Gostaria de ter visto a cara delas com essa minha atitude. Tal constrangimento deve ter-lhes feito cair as sobrancelhas.
        Não adianta ir num café, tentar se misturar. Da próxima vez, tenho que ir a um lugar realmente culto, frequentado por pessoas que de fato sejam inteligentes e interessantes.
        Eis a biblioteca!

06 de fevereiro de 2011