domingo, 23 de janeiro de 2011

O experimentalismo vazio de um viajante

Esta postagem é um texto direcionado, um pisão no calo de uma pessoa que gosta do livro ruim que vou comentar. Não quero falar do livro aqui na introdução e sim marcar o início de um novo evento cultural chamado Rinha Literária. O intuito é descobrir alguma porcaria que um conhecido goste e sentar o sarrafo. Única regra: somente a mãe do escritor pode entrar no terreiro. Recomendações: criatividade e humor ácido.

Vamos lá!

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O experimentalismo vazio de um viajante


Finalmente, após dez inícios de histórias variadas e doze comentários sobre a curiosidade do leitor e a voracidade da leitora, o “novo romance de Italo Calvino” Se um viajante numa noite de inverno está prestes a ser criticado. “Relaxe. Concentre-se. Afaste todos os outros pensamentos. Deixe que o mundo a sua volta se dissolva no indefinido.”

Comecei o texto de má-fé, confesso, pois faz pelo menos um ano que li esse livro, o que significa um bom tempo para -finalmente- iniciar um comentário. Porém, isso não é grave, a memória está aí para nos trazer à tona toda sorte de lembranças reconstruídas e confusas. Agora, penso que não deveria ter dado o livro de presente (me livrado, seria melhor), pois muito me faz falta o artigo final de Calvino (com aquele esquema bonito que todo leitor fica curioso para entender quando está ainda folheando). Tal resposta a uma resenha crítica que fecha aquela edição comprova um dos meus argumentos-chave: a do livro-tese. Tentarei encontrá-la na internet que está sempre ligada, cheia de informações. Só que a gente sabe: procura e consulta e acaba com a sensação de que não há nada, como certos romances genais que encontramos na “vitrine de livrarias”. E esse é o segundo ponto: mesmo durante a atuação da dupla Leitor -Leitora (sem falar dos dez inícios truncados de histórias “interessantíssimas”), transborda do livro aquilo que costumamos esperar de um best-seller: facilidade, curiosidade e, principalmente, o vazio literário.

Não vem ao caso definir o que é literatura, muito menos o que é boa literatura. Para isso há milhares de páginas escritas por especialistas, inclusive pelo Calvino. (E sempre ficamos com a impressão de que tal coisa nem existe.) Por motivos metodológicos - talvez -, deveria explicar como este comentador avalia a literatura. Afinal, nossos críticos contemporâneos (?) condenam tempestivamente opiniões envolvendo gosto, apesar de serem os primeiros a defenderem a iniciação literária através dos mais vendidos. (Até fico desconfiado se eles não têm algum contrato de participação em vendas.) Pode parecer que uma coisa não tem nada a ver com a outra, mas tem: o que está em jogo neste tipo de iniciação é aprender a gostar de ler pela facilidade e pela curiosidade. O desenvolvimento do gosto (acrítico) de um novo leitor. Não entrarei também no mérito da preguiça intelectual, mas deixarei claro que essa posição é muito boa para as editoras e pouco boa para os novos (e velhos) leitores.

Não, não preciso definir nada, nunca vi um crítico fazer isso.

Entretanto, o “novo romance” de Calvino começa dez vezes! Isso apenas já daria a ele o título de experimental. O que não é nenhum problema, claro, se não resultasse mais num índice de estilos que em literatura propriamente dita. Nosso autor participou do "Ouvroir de Littérature Potentielle" (Oulipo), um grupo de experimentações lítero-matemáticas e como os três personagens de O Pêndulo de Foucault de Umberto Eco, Calvino escreveu com algoritmos. É o tipo de precisão que destitui o escritor de sinceridade. Diferente de outros experimentos literários, este faz com o que o leitor perca a confiança no livro.

E não é a primeira vez que aparece o estilo best-seller-tese. Esses termos soam contraditórios, mas quase todos os romances de Eco são assim. A erudição com o romanesco. O enciclopédico com o pop. Está feito; não adianta afirmar que não podem andar juntos. Só que me parece ruim, pois leva ao leitor exigente informações que ele não quer, histórias que lhe desagradam.

São estes dois fatores que trazem o tédio à tona e tentam afogar o leitor a todo custo. Dez vezes historinhas banais são interrompidas e em seguida comentadas? É realmente achar que não há livros mais interessantes pelo mundo. E o que é pior, os comentários são ungidos numa aura de metalinguagem onde eu, leitor, presumidamente me identificaria ou me confundiria com os personagens, Leitor-Leitora, gerando o que a crítica deslumbrada chamou de “hiper-romance”. Absurdo! Total falta de conhecimento do que é hypertexto e linguagem web.

É claro que Calvino, matemático cibernético, sabe desse enorme problema (afinal, ele mesmo afirma que livro é feito para ser vendido) e usa de uma técnica certeira, tão testada que há muito é o cânone da literatura de massas: o suspense. Algo está para acontecer, preciso continuar a leitura! Porém, é num banho maria de pistas, dicas e traumas (que o leitor tenta constantemente se recuperar) que o romance vai despencando de uma escadaria, como mostra o esquema do seu artigo “Se um narrador numa noite de inverno”, publicado em 1979 na revista Alfabeta. (Apenas neste momento é que consegui a tal “resposta a uma resenha crítica”, de que falei no segundo parágrafo.)

Bom, então vamos ao tal artigo. Já de cara vou confessar que, relendo o texto, fiquei incomodado. Calvino concorda comigo! Fico pensando se foi ele quem inaugurou o que hoje é muito comum nos escritores jovens, aquela empáfia de dizer “foi isso mesmo que eu quis fazer, eu planejei que ficasse ruim”. É incrível. Não consigo entender. E além disso, desse enaltecimento às avessas, a crítica aplaude. Como escreveu Paulo Polzonoff sobre Eco (e eu aplico também a Calvino): “é um destes escritores que todo intelectual sem talento gostaria de ser e, em encantando-os, encanta os resenhistas, que por sua vez admira os intelectuais que não são de fato. Nesta cadeia de encantamento é que se forjam mitos literários que, espera-se, não sobrevivam muito mais a seu tempo.”

O lema moderno saiu da pena de Rimbaud: “a beleza sentou-se em meus joelhos e estou fatigado dela”. Para ganhar o título honorário de pós, bastou a compressão até à instantaneidade, à ideia interrompida em 140 caracteres ou o romance em 32 páginas.

De Calvino: “O objeto da leitura que se encontra no centro de meu livro não é tanto 'o literário', mas sim 'o romanesco', isto é, um procedimento literário determinado – próprio da narrativa de cunho popular e de consumo”. “O destinatário natural e fruidor do 'romanesco' é o 'leitor médio'”. E para justificar seu “exercício acrobático para desafiar, e indicar, o vazio subjacente” ele escreve: “perseguir a complexidade por meio de um catálogo de possibilidades linguísticas diversas é um procedimento que caracteriza toda uma dimensão da literatura deste século”. Cita ainda o caso de Raymond Queneau (do Oulipo) que “já em 1947 publicava os Exrcicies de style, nos quais uma historieta de poucas linhas recebe 99 redações diferentes”. (E eu que pensava que escrever várias versões servia para escolher a melhor...)

Se este artigo, em vez de estar no final do livro (Editora Planeta de Agostini, 2003), servisse de introdução, pronto: ele já voltaria pro sebo. Tem gente que não gosta de prefácio e essas coisas, mas, depois desse caso, nunca mais deixei de ler tais comentários introdutórios: ou confirmam nossa expectativa ou já nos demovem e não precisamos deixar nossa paciência ser incinerada por um PhD em análise combinatória.


esquema


Alguns sitios que dei uma espiada:

http://it.wikipedia.org/wiki/Se_una_notte_d'inverno_un_viaggiatore

http://biblioteca.folha.com.br/1/21/1999082201.html

http://pt.wikipedia.org/wiki/Italo_Calvino

http://www.casainabitada.com.br/index.php?option=com_content&view=article&id=66:se-um-viajante-numa-noite-de-inverno-italo-calvino&catid=6:discursos-de-outrem&Itemid=6

http://riksaint.wordpress.com/2005/10/03/critica-literaria-o-pendulo-de-foucault-umberto-eco/



quinta-feira, 20 de janeiro de 2011

Meu Pai Queria que eu fosse Projetista Mecânico, mas…

(tirado do blog)

eu decidi ser escritor.

é fácil.

apenas me sento e tiro a crosta de antigas feridas e espinhas

da minha vida

até que surge algo.

quando o telefone toca eu levanto e abaixo gentilmente o fone.

é tão fácil.

no andar de baixo minha namorada lê sobre Scott e Zelda Fitzgerald.

“nós somos Scott e Zelda”, digo a ela.

e ela fica doida.

recebo cartas terríveis pelo correio.

as pessoas querem vir aqui e me ver.

eles mandam cartas sobre suas vidas e anexam poemas.

meu conselho para todos os jovens escritores é que parem de escrever como eu.

quero dizer, isso não vai ajudar.

os editores vão simplesmente dizer,

“nossa, esse cara escreve igualzinho ao Chinaski,

manda de volta!”

a melhor coisa na escrita é que ela nunca

te deixa mal.

pode deixar outras pessoas mal, mas não você.

tipo, você pode encontrar sua mulher fodendo seu melhor amigo

no sofá às 3 da manhã

e você pode correr para o andar de cima e escrever um poema e

ficar quite com os dois.

eu realmente nunca gostei de Scott ou Zelda pelo que escreveram.

era o que eles pensavam e como viviam livres.

é claro que eles conheciam Hemingway e Hemingway conhecia Miró e

Miró conhecia Picasso e Picasso conhecia Joyce e Joyce

provavelmente conhecia D.H. Lawrence e D.A. conhecia A. Huxley que pensava

que sabia tudo

mas como disse, eu admirava o jeito como Scott e Zelda viviam

livres de todas as regras

e meu pai queria que eu fosse projetista mecânico

mas me agrada mais sentar aqui e escrever

qualquer coisa que eu queira enquanto

olho pela sacada para o porto de San Pedro

é fácil

todas as crostas de feridas e espinhas valeram a pena.

escrito por Charles Bukowski (do livro “Open All Night: New Poems”).


quarta-feira, 19 de janeiro de 2011

O feijão e as coisas

Um momento em que a gente se sente sabido e com as rédias do mundo nas mãos é quando lemos o jornal diário. Diariamente sentamos na cadeira da sala, um cotovelo apoiado à mesa e a luz do meio dia entra difusa porém intensa (um pouco menos se está nublado). É nesta conjuntura que os fatos se mostram domesticados, como letras numa folha de papel, e o almoço está sendo preparado na cozinha.
Eu não me meto em assuntos culinários, tem gente que faz melhor que eu, porém, naquele instante, manifestou-se de pronto o meu olfato. Não se pode fazer nada contra um cheiro. Mesmo tapando o nariz, parece que essa presença intrusa impregna-se por outra parte qualquer, se não pela boca, pelos ouvidos, sei lá eu.
Então eu disse para o lado:
- Ô lurdes! O feijão não tá queimando, não?
Uma pergunta apenas, pergunta-ajuda, dessas que a gente solta preocupado e não percebe que despencou da escada. Mal tinha mudado de linha e ela começou a resposta:
- Êee...
Era uma reprovação. Só aí já tinha percebido que havia entrado mal na cozinha.
- Êee-eia, joão. Cê fica aí lendo o jornal e não sabe o que acontece fora dessa cadeira, né?
Pronto. Não se pode opinar sobre nada ou ajudar. A gente está tranquilo e de repente vem uma vassourada. Virei duas páginas para ventilar aquele fudum e ela continuou:
- Se tivesse prestado atenção nas coisas fora dessa sua cabeçona esperta teria ouvido a zeladora.
Era só o que faltava, a zeladora. Essa mulher só fica zanzando pra cima e para baixo com o cachorro, sujando tudo e depois reclama da limpeza. Conversa com todo mundo aos berros, nunca vi. Parece que só percebo o que ela diz quando estou dormindo e, às 7 da manhã!, acordo.
Mas quando a gente não sabe, tem que perguntar. E eu ia fazer isso quando ela emendou rapidamente:
- Acabô de gritar pelo corredor, agorinha mesmo, que tá o maior zuê lá na rua. Passô helicóptero, bombeiro, tudo! Tem algum prédio pegando fogo!
Olha só, um prédio pegando fogo... Muito mais interessante que um feijãozinho passado do ponto. Ainda bem que a lurdes tem senso do dever. Imagina se vai pra rua e deixa tudo aqui: seria duas catástrofes!
Tomei um susto quando ela apareceu na porta:
- Cê tá aí ainda se abanando com essa porcaria? Vai lá vê, cacilda!
Aquilo tinha interrompido uma notícia sobre como a retirada das tropas norte-americanas do Iraque iria diminuir o preço do petróleo. Sabe-se lá como aconteceria isso, mas os analistas estão aí fazendo seu trabalho e mesmo com a mudança de governo no Brasil e a crise tendo passado o IPI e o IPVA continuarão reduzidos. No final, as coisas se encaixam bem, me parece.
Mas, na verdade, tudo isso não faz a menor diferença. Em meia hora acabamos o jornal e é pra isso que ele serve: distrair enquanto o almoço não sai. Afinal:
- Tá pronto isso aí?