quarta-feira, 26 de maio de 2010

Angústia

Todos os nomes, José Saramago

Uma angústia súbita apertou-lhe a garganta enquanto a razão afligida tentava resistir, queria que ele mostrasse indiferença, que dissesse, Melhor assim, menos trabalho me dará, mas a angústia não desistia, continuava a apertar, a apertar, e agora era ela que estava a perguntar à razão, E que vai ele fazer, se já não pode realizar o que pensou, Fará o que sempre fez, recortará recortes de jornais, fotografias, notícias, entrevistas, como se não tivesse sucedido nada, Coitado, não acredito que consiga, Porquê, A angústia, quando chega, não se vai embora com essa facilidade, Poderá escolher outro verbete e ir à procura dessa pessoa, O acaso não escolhe, propõe, foi o acaso que lhe trouxe a mulher desconhecida, só ao acaso compete ter voto nesta matéria, Não lhe faltam desconhecidos no ficheiro, Mas faltam-lhe os motivos para escolher um deles, e não outro, um deles em particular, e não um qualquer de todos os outros, Não creio que seja uma boa regra de vida deixar-se alguém guiar pelo acaso, Boa regra ou não, conveniente ou não, foi o acaso que lhe pôs nas mãos aquele verbete, E se a mulher for a mesma, Se a mulher for a mesma, então o acaso foi esse, Sem outras consequências, Quem somos nós para falar de consequências, se da fila interminável delas que incessantemente vêm caminhando na nossa direcção apenas podemos ver a primeira, Significa isso que algo pode acontecer ainda, Algo, não, tudo, Não compreendo, Só porque vivemos absortos é que não reparamos que o que nos vai acontecendo deixa intacto, em cada momento, o que nos pode acontecer, Quer isso dizer que o que pode acontecer se vai regenerando constantemente, Não só se regenera como se multiplica, basta que comparemos dois dias seguidos, Nunca pensei que fosse assim, São coisas que só os angustiados conhecem bem.

segunda-feira, 17 de maio de 2010

Aviso de Óbito

Quando Nietzsche foi para a Itália (1886) e finalmente passou a escrever como livre pensador, ele devia ter dito na língua do Papa a frase que pôs um fim na Metafísica. Causaria muito mais furor do que apenas ter avisado ao mundo sua queda (a do mundo) no Niilismo.

Mas é hoje (17/05/2010) que temos o maior impacto daquela máxima, e nos damos conta de que algo realmente aconteceu:

DIO è morto!

Fodeu-se. Depois da metafísica platoniana, agora é a vez do rock'n'roll iniciar sua decadência. E é engraçado ver no refrão Holy Diver o prenúncio desse trágico movimento.

sábado, 15 de maio de 2010

Infelizmente, é mais barato andar de carro

Há muito que o termo “sustentabilidade” deixou de ser somente um jargão acadêmico e passou a guiar as ações governamentais ao redor do mundo. Não só no Brasil, inúmeros esforços se dão no sentido de aumentar a eficiência energética dos processos industriais, diminuir o consumo dos automóveis, bem como reduzir a utilização de combustíveis fósseis optando por fontes mais limpas de energia. Estas ações têm a intenção de mitigar a atuação dos gases do efeito estufa na atmosfera, causadores do aquecimento global, e melhorar a qualidade do ar nas cidades.


No entanto, estes esforços só se mostram eficazes havendo uma ampla participação da população. Para a construção de uma sociedade sustentável, é fundamental, por exemplo, economizar energia elétrica e água, assim como diminuir o consumismo. Não menos importante é reduzir o uso dos automóveis. Segundo o Balanço Energético Nacional de 2009 – estudo feito pela Empresa de Pesquisa Energética, EPE – os veículos a gasolina e álcool foram responsáveis por mais de 12% da energia consumida no país no ano de 2008. Além deste fator, os veículos contribuem de forma direta e indireta na poluição atmosférica.


Em Florianópolis, o prefeito Dário Berger parece trabalhar contra uma vida urbana melhor. Somado ao problema ambiental, o elevado número de automóveis na cidade vem trazendo um grande problema de mobilidade para a população, que presencia diariamente os engarrafamentos das avenidas. Como se já não fosse demais, o preço da passagem aumenta indiscriminadamente, sem levar em conta os fatores sociais e ambientais, ou seja, priorizando somente o ganho das empresas do transporte.


Como forma de ilustrar o tipo de política viária de Florianópolis foi criado o gráfico abaixo. Ele mostra o custo em função da distância percorrida, associado a uma determinada modalidade de transporte. Na vertical temos o custo por pessoa, em reais, e na horizontal a distância percorrida, em quilômetros. As modalidades de transporte são: o transporte público, o carro com apenas um passageiro e o carro com dois passageiros. Para o cálculo, assume-se que a pessoa já possua um carro a gasolina, com um consumo médio de 10km/l, que o preço da gasolina seja de R$2,50 por litro e que o preço da manutenção do veículo seja de R$0,10 por quilômetro.


Para os casos do carro com um ou dois passageiros, o custo por pessoa aumenta conforme a distância percorrida. Para o transporte público, como a tarifa assumida é a tarifa única de R$2,95, o custo por pessoa permanece constante, ou seja, pode-se andar livremente, independente da distância, pagando apenas uma tarifa.


Através do gráfico, nota-se que para uma pessoa dirigindo um veículo sozinha, não é vantajoso utilizar o transporte público quando se deseja percorrer uma distância menor que 8km, ou seja, para se deslocar da UFSC ao Centro, é mais barato ir sozinho de carro do que ir de ônibus. Ainda, para um trajeto intermediário, como da Lagoa da Conceição ao Centro, continua sendo mais vantajoso ir num automóvel com duas pessoas do que utilizar o ônibus.



Não há nenhum benefício para se usar nosso Transporte Coletivo. As tarifas são abusivas, os ônibus não são freqüentes e, principalmente, o sistema não é confiável, sujeito a constantes mudanças de horários e linhas. Assim, o uso do automóvel é incentivado como política pública, agravando o problema ambiental e os congestionamentos na cidade. Só anda de ônibus quem não pode escolher. Quem tem carro, por mais que se preocupe com os problemas ambientais, escolhe não andar de ônibus devido ao sistema inconveniente e caro. O transporte público precisa oferecer benefícios para que essa escolha seja diferente.


Inicialmente, é necessário diminuir drasticamente o preço da passagem para que Florianópolis volte a se mover. Outras soluções podem ser implementadas juntamente com a diminuição da tarifa única, como por exemplo, a tarifação da passagem feita por zonas, incentivando o uso do ônibus para curtas distâncias e assim diminuindo o tráfego no Centro e em outros “gargalos” da cidade. Em relação aos engarrafamentos, existe a possibilidade de se utilizar o famoso “corredor de ônibus”, aprovado em diversas cidades do país. Priorizando-se o transporte coletivo, a cidade economiza em obras públicas necessárias para suportar o crescente número de veículos, além de manter a qualidade de vida, colaborando com os esforços mundiais para diminuição do efeito estufa.


A afirmação simplista do prefeito Dário Berger reflete a sua péssima administração: “Não tem como fazer mágica. Infelizmente alguém precisa pagar essa conta. Sempre que houver reajuste de salário, haverá aumento das passagens”. Ora, nada mais absurdo! As ações da prefeitura junto às concessionárias do serviço de transporte público devem ser para que haja uma melhoria na qualidade do transporte e para que o preço da passagem seja acessível à população, e não em defesa da incapacidade dessas empresas, que não conseguem – ou não tentam – diminuir os custos. A otimização do sistema de transporte, bem como a redução de custo, deve ser exigência da prefeitura e problema das empresas. A partir do momento em que estas não forem capazes de atender às exigências, devem perder a concessão do serviço e uma nova licitação deve ser realizada. Não há mágica!


Pedro Magalhães

Estudante do curso de Engenharia Mecânica – UFSC

Florianópolis, 13 de Maio de 2010.

domingo, 9 de maio de 2010

ação, cacete!


Florianópolis é um lugar com uma das mais burras pessoas no poder público. Mas pior que isso, é a forma como a política, incrivelmente provinciana, funciona ali. Quando Floriano Peixoto fez sua passagem na ilha nos idos 1890's, quando havia (pasmem!) um espírito de revolta ali, as intituições públicas foram usadas para absorver os 'pequenos'-revolucionários criando-se cargos inúteis, na época, apenas para o pessoal descontente ter o que fazer. Isso moldou a forma de lidar com a coisa pública na cabeça dos manezinhos. Pode vir quem for, até um bomrretirrense que não sabe disso, e fazer essas merdas mal-feitas que escorrem pelas ruas da capital catarinense.

Assim, é fato ter apenas estudantes (grande maioria de fora) nas manifestações. O pessoal que trabalha com serviços, com turismo (é baixa temporada, não há o que turizar) e do setor, motoristas e cobradores, fica só olhando de longe, parece que não é com eles, de tão acostumados que estão em trocar favores políticos.

Já se podia ver o que ia acontecer quando Floriano fez sua chacina em Desterro e a galera bem empregada fez questão de homenageá-lo (ou manter a homenagem, o que dá na mesma) rebatizando a ilha com o nome do grande fulano.

Palmas, palmas...

segunda-feira, 3 de maio de 2010

Bienal se rende à pichação

É claro que ninguém mais lembra o que houve na última Bienal de SP, tamanha é a adoração e a cegueira pela street art (se eu escrevo em português, ninguém entende). Pois aí vai uma matéria interessante que levanta pontos-chave nessa discussão (há discussão??) em vez da idolatria que vemos em todo lugar, até nas pessoas que eu achava críticas. Se a arte de rua está ganhando um status nobre, transformando-se em Arte, não é sutil nem pequena a automutilação que ela se faz para agradar ao gosto da elite, ou, em outras palavras, para enquadrar-se na estética tradicional.

(Obrigado à Raquel pelo constante envio de informações sobre o assunto)

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Bienal se rende à pichação
via Ministério da Cultura - MinC de Comunicação Social/MinC em 19/04/10

Bienal de São Paulo abre espaço - agora de forma consentida - para a pichação dividindo a opinião pública e apimentando a discussão sobre o conceito de arte

Carolina Leão cleao@jc.com.br

Especial para o JC

Desde que as vanguardas passaram a ter sua potência transgressora assimilada às academias tradicionais, um fantasma começou a rondar a discussão sobre arte. Toda subversão poderá ser domesticada pelas instituições oficiais? O debate é antigo, mas não se esgota. Na última quinta-feira o curador Moacir dos Anjos apimentou a questão ao anunciar a participação de pichadores na 29ª Bienal de São Paulo, que acontece em setembro na capital paulista. O convite surgiu após encontros realizados entre a comissão crítica do órgão e artistas de rua, responsáveis, em 2008, por uma das maiores polêmicas da história da instituição - quando o segundo andar do pavilhão da mostra, apelidada de Bienal do Vazio, foi invadido e pichado. O anúncio veio na mesma semana em que a Prefeitura do Rio de Janeiro confirmou pichações na estátua do Cristo Redentor.


A notícia mais uma vez dividiu a opinião pública e traz questionamentos sobre o conceito de arte e sua dimensão política - este último ponto é o tom da próxima Bienal (que vem com a missão de recuperar o status crítico de sua trajetória). Em outubro de 2008 a invasão do pavilhão vazio da Bienal virou caso de polícia quando 50 pichadores driblaram a segurança e, entre socos e pontapés, picharam vidros e paredes. O curador Ivo Mesquita condenou o ato e tratou os invasores como vândalos. Artistas e intelectuais saíram em defesa dos pichadores, que tiveram apoio ainda de membros de organizações de direitos humanos. O ministro da Cultura, Juca Ferreira, também saiu em defesa.


A teórica da arte Maria do Carmo Nino, da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), lembra de um ponto importante: só há pichação se houver proibição. A presença de pichadores na Bienal não será pela performance dos artistas de rua, no entanto.


A mostra investe no debate político exibindo vídeos, fotos e discussões com pesquisadores e especialistas. “Trazer a pichação para a Bienal seria subverter sua dimensão contestatória. O que vai haver é uma ilustração do picho”, coloca Maria do Carmo. A pesquisadora parabeniza a iniciativa da curadoria que, segundo ela, traz a questão política como foco, mas lembra: “Há um risco grande. Ela se arrisca a passar pelo julgamento sumário, que pode colocá-la como legitimador do picho”, argumenta.


O sociólogo Paulo Marcondes Soares, também professor da UFPE, lembra que quem legitima o que é arte são as instituições políticas e culturais, a exemplo das academias, universidades e grandes galerias. Associada à marginalidade e ao vandalismo, envolvendo questionamentos sobre cidadania e inclusão social, a pichação vem aos poucos passando por um processo de “aceitamento” como arte, com letra minúscula, sempre.


O pernambucano Galo de Souza, artista de rua, é um dos que reivindicam o status da pichação como expressão estética. “A pichação no BRASIL é uma referência global. Quase todos os países utilizam a fonte de São Paulo. Quem estuda design sabe que sua iconografia é muito forte”, defende. Para ele, no entanto, a cultura da pichação é generalizada como discussão a ser colocada apenas como um problema social. “É uma arte tanto quanto outra”, diz. Galo afirma que a pichação não precisa da Bienal. “Mas é importante que ela (a arte de rua) reflita sobre sua história.”


Marcondes compartilha da opinião do grafiteiro. “É um debate que a esfera artística não reconhece. E isso é também uma questão política. O papel do curador é totalmente coerente. Nos leva a pensar e refletir.” O sociólogo aponta ainda para a ambivalência do tema quando se analisa a recuperação domesticada de intervenções urbanas como o grafite, linguagem para onde vêm se deslocando antigos pichadores “É uma rebeldia tolerada, consentida”, coloca.


Essa contradição, explica o curador Moacir dos Anjos, será um problema que a 29ª Bienal terá que lidar. “Pois, se o que faz o picho ser arte é justamente o fato dele desconcertar nossos sentidos e nos fazer admitir, mesmo quando estamos no conforto de nossos carros ou na janela de um apartamento alto, que existem outros modos de entender e de inventar o mundo. O que acontece se o picho é trazido para o ambiente controlado, conhecido e decodificado do chamado campo da arte? Ele mantém sua potência ou se torna mera ilustração ou lembrança de si mesma?”, questiona Moacir enfatizando a grafia do picho com x, tal como é utilizado na gíria popular.


(acaba aqui a matéria)

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Em 2008, o texto de divulgação da Bienal de SP dizia assim sobre o segundo andar do prédio:

II – O Vazio:

A exposição do espaço vazio do segundo andar do pavilhão será um gesto radical de afirmação deste momento para elaborar e analisar sobre o modelo das bienais, seu papel no mundo contemporâneo. Esse gesto simbólico toma o vazio como o lugar onde as coisas são em potência, por isso pleno e ativo, ao contrário de uma manifestação niilista, onde as coisas deixam de ser e perdem o sentido. Ele é fonte geradora, o território do devir, com possibilidades de múltiplos caminhos para ser cruzado.


As coisas são em potência, não-niilista, território do devir: vati pá puta que pariu!


E quando o local realmente adquire toda essa pseudo-essência teórica com:


a bienal se transforma num escritório comercial e vem a polícia prender os pivetes e a mídia desqualifica (quanta situleza da minha parte) e o poder público chama de vandalismo.


Mas o que é engraçadíssimo (quase caio da cadeira) é que apenas dois anos se passaram e a prefeita de Melbourne, na Autrália, pede desculpas ao Mundo por ter apagado sem querer um stencil do Banksy. E mais, o MASP chama "artistas de rua" para fazer "arte de rua" DENTRO da instituição!

Bom, ou eu tô gagá ou está acontecendo algo esquisito. Arte de rua entre quatro paredes ou em revista ou na internet pra mim é igual figurinha que vem em chicletes, uma falsificação tosca.

Se não tem a rua, então ela está morta!


PS: A coerência é um treco tão demodê que a gente até esquece que ela existe e que sensação gostosa ela nos traz: a única vez que ouvi falar do Banksy num museu foi com esse vídeo. Nada de street art, apenas o espírito de protesto e resistência (diferente do entreguismo geral). Sem dúvida, um grande artista.