sexta-feira, 24 de julho de 2009

A revolução de Boris

Como disse um famoso jornalista, o estilo de Boris "é muito particular, já que não se furta a emitir sua própria opinião sobre os assuntos mais chamativos e polêmicos". Por isso vamos colocá-lo para cantar neste blog.

mp3

quinta-feira, 23 de julho de 2009

A decadência do Ocidente, O. Spengler

Uma cultura nasce no momento em que uma grande alma despertar do seu estado primitivo e se supreender do eterno infantilismo humano; quando uma forma surgir em meio ao informe; quando algo limitado, transitório, originar-se no ilimitado, contínuo. Floresce então no solo de uma paisagem perfeitamente restrita, ao qual se apega, qual planta. Uma cultura morre, quando essa alma tiver realizado a soma de suas possibilidades, sob a forma de povos, línguas, dogmas, artes, Estados, ciências, e em seguida retorna a espiritualidade primordial. Mas a sua existência viva, aquela série de grandes épocas, cujos rígidos contornos designam o progressivo arremate, é uma luta íntima, profunda, passional, com o objetivo de afirmar a idéia contra as forças do caos, no exterior, e contra o inconsciente, no interior, para onde elas se retiraram, agastadas. Não somente o artista luta contra a resistência da matéria e o aniquilamento da idéia. Todas as culturas encontram-se numa relação simbólica, quase mística, à extensão, ao espaço, dentro do qual e por meio do qual tencionam realizar-se. Alcançando o destino, realizada a idéia, a totalidade, das múltiplas possiblidades intrínsecas, com a sua projeção para fora, fossiliza-se repentinamente a cultura. Definha-se. Seu sangue coagula. Seu vigor diminui. Ela se transforma em civilização. Eis o que sentimos e depreendemos das palavras "egipticismo", "bazantinismo", "mandarinato". Talvez seja tal cultura ainda capaz de estender durante séculos e milênios seus galhos mortos ao alto, igual uma árvore gigantesca, ressequida, na mata virgem. É o que se observa na China, na Índia, no mundo islâmico. A civilização "antiga" da fase imperial erguia-se, gigantesca, com aparente viço e exuberância juvenil; mas, na realidade, o que fazia era privar de ar e de luz a jovem cultura árabe do Oriente.

Este é o sentido de todas as decadências na História, da conclusão íntima e extrema, do acabamento que, inveitavelmente, aguarda a qualquer cultura viva. A que mais nitidamente se nos depara, quanto aos seus contornos, é a "decadência da Antiguidade". Mas já podemos perceber com absoluta clareza, tanto dentro de nós como ao nosso redor, os primeiros sinais de um acontecimento perfeitamente semelhante, no que se refere à sua duração e ao seu transcurso, e que ocorrerá nos séculos iniciais do próximo milênio. Trata-se da nossa própria decadência, da "decadência do Ocidente".

(texto de 1924. Minha edição, da Zahar editores, de 1973, foi condensada por Helmut Werner)

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O que foi o grande acontecimento artístico de Duchamp: levar um mijador para o museu?
O que é a proliferação de contos, crônicas, blogs, vídeos, músicas: a massa expressando sua tosquidade, opinando impulsivamente o que dá na sua telha feita nas coxas da ridícula burguesia?
O que é usar a própria vida, a banalidade do cotidiano - e a exaltação desse uso - em sua falta de sentido como tema para a arte, para essa atividade humana que melhor dá sentido à vida?
O que é viver a vida, apenas ela, aqui e agora, concentrando o êxtase, negando dois mil anos de paraíso futuro, ou, nos dois últimos séculos, o projeto, seja econômico ou político; em outras palavras, a Utopia?
Por que as mentes brilhantes contemporâneas, e mesmo as medíocres, apenas lapidam, modulam, reformulam, "olham por outro prisma"? Estudam e estudam apenas para perceber o que elas não querem? (não me venha dizer que não há nada novo sob o sol e bla, bla, bla)

O fim apenas dá abertura para um início.

Até lá, continuarei um rabugento* apocalíptico de vanguarda.

(*Adjetido derivado de rabugem que significa tipo de sarna de cães e porcos)

sábado, 18 de julho de 2009

A compra

........- Ouviste esse barulho?
........- Não.
........- Presta atenção, deve soar de novo.
........Cida tomou um gole de vinho. Olhou para um canto da parede e aguardou.
........- Só ouço os carros passando.
........Servi mais um pedaço de pizza para ambos e sentei-me ao seu lado.
........- Semana passada, quando fui naquela rua de móveis usados, vasculhei tudo quanto é canto para encontrar o que estava faltando para a casa. Essa mesa e a estante foram fáceis. Mas o fogão, àquele preço, tive que procurar.
........“Finalmente, entrei na loja de um senhor de meia idade que, encostado na entrada, aquecia seu bigode grisalho ao sol. Sem vir para a sombra do interior, onde eu olhava suas coisas, disse que havia chegado material de uma casa antiga, demolida semana passada. Mostrou-me o que tinha salvado e havia muitos móveis de luxo. Disse-lhe que aquilo não me interessava. O que precisava era de um fogão barato.
........- Olha, meu senhor, terei apenas esse aparelho aí. Está um tanto usado, como pode ver pela fuligem do forno, mas posso dar uma ajeitada nele pra amanhã.
........Nesse momento, uma mulher que estava entrando olhou-me examinando o forno e soltou tamanho gritinho que a portilhona me escapou, bateu com tudo e espalhou aquele pó preto na minha calça.
........- Oh, Marcelo! Que estais fazendo com esse fogão? Desculpe senhor, mas não está à venda, não.
........A mulher levou o vendedor para um canto da loja cheia de esquinas e disse-lhe baixinho:
........ - Como pudeste trazer aquela coisa para cá, Marcelo? E, ainda por cima, a estais vendendo?!
........Me aproximei. Havia percorrido os antiquários a tarde inteira e queria voltar para casa.
........- O que que tem o fogão?
........- Veja bem, senhor. Minha mulher está preocupada com uma história. Apenas uma fofoca que circulou após a morte de meu irmão.
........- Pode contar, oras. Desde que funcione, pretendo levar a peça.
........- O que acontece é que meu marido trouxe as coisas da casa de seu irmão, pois venderam o terreno a uma construtora. O homem matou o filho e depois se enforcou no jardim.
........- Milena!
........- Não me interrompa! O moço disse que queria saber.
........“O irmão não podia ter filhos, vivia frustrado. A mulher, entretanto, não podia reprimir sua própria natureza: um dia, minha cunhada teve um bebê e trouxe-o para casa. Nós a apoiamos, claro, mas o marido ficou furioso. Passava o dia infernizando a mulher, pois como dizia, a criança atormentava-o de noite. E além disso, tinha uma honra, uma imagem para zelar.
........“Bom, de tanto xingar as pessoas e quebrar as coisas, amansou: não falava mais nada. Quando íamos visitá-los, lá estava ele, sentado na varanda, olhando para o quintal. Dava medo ver aquele homem assim.
........“Foi então que o bebê completou um ano, e após a festa de aniversário, enquanto dormia, o irmão dele levou a criança para a edícula e trancou-a no fogão. É... neste aqui, sim senhor.
........“Quando a mãe ouviu a criança batendo na lata já era tarde. A porta do forno estava acorrentada e o marido pendurado no ipê do jardim com a chave no estômago.
........“Todos sabem que ele fez isso para matá-la de desgosto por tê-lo traído. E ela acabou se suicidando mesmo."
........Quando ia contar o final da compra, ouvimos um forte estalo na cozinha.
........Cida olhou arregalada para minha calça suja e sua boca começou a tremer.