terça-feira, 23 de junho de 2009

Drummond

O chão é cama para o amor urgente,
amor que não espera ir para a cama.
Sobre tapete ou duro piso, a gente
compõe de corpo e corpo a úmida trama.

E para repousar do amor, vamos à cama.


* * *


Mulher andando nua pela casa
envolve a gente de tamanha paz.
Não é nudez datada, provocante.
É um andar vestida de nudez,
inocência de irmã e copo d'água.

O corpo nem sequer é percebido
pelo ritmo que o leva.
Transitam curvas em estado de pureza,
dando este nome à vida: castidade.

Pêlos que fascinavam não perturbam.
Seios, nádegas (tácito armistício)
repousam de guerra. Também eu repouso.


* * *


No mármore de tua bunda gravei o meu epitáfio.
Agora que nos separamos, minha morte já não me pertence.
Tu a levaste contigo.


* * *


Não quero ser o último a comer-te.
Se em tempo não ousei, agora é tarde.
Nem sopra a flama antiga nem beber-te
aplacaria sede que não arde

em minha boca seca de querer-te,
de desejar-te tanto e sem alarde,
fome que não sofria padecer-te
assim pasto de tantos, e eu covarde

a esperar que limpasses toda a gala
que por teu corpo e alma ainda resvala,
e chagasses, intata, renascida,

para travar comigo a luta extrema
que fizesse de toda a nossa vida
um chamejante, universal poema.


* * *


- - -
Outros bons pedaços de poemas (que no geral não são muito bons)

A bunda, que engraçada.
Está sempre sorrindo, nunca é trágica.
.
Vou beijando a memória desses beijos.
.
A bela Ninféia foi assim tão bela
como eu a fazia, se em sonho ou me lembro?
Em sua garupa de água ou égua
que formas traçava, criava meu membro?
.
Quantas vezes morremos um no outro,
no úmido subterrânea da vagina,
nessa morte mais suave do que o sono:
a pausa dos sentidos, satisfeita.
.
O amor natural, Carlos Drummond de Andrade

quinta-feira, 11 de junho de 2009

Jogando amarelinha

.......Quando acordei pela manhã, não pude deixar de rir pois estava vestido apenas de ceroula e elas se ajustavam tão bem às minhas pernas finas como se ajustariam bem, por sua vez, a pernas grossas, tornando tal vestimenta algo ridículo por natureza a quem olhasse de cima suas próprias pernas feias tão bem delineadas, e o meu sorriso se desfez ao entrar no banheiro, pois o chão estava todo vomitado de uma cor bordô e no líquido havia apenas a sopa de cebola em pacote que havíamos comido sendo que esse trabalho só poderia ser obra do meu vizinho de quarto pois ontem resolvi acabar com algumas garrafas de vinho que estavam abertas na geladeira há um tempo que já nem sabia mais, e obviamente sem as devidas rolhas pois tinha a mania de mascá-las enquanto bebia, convidando esse meu vizinho para bebê-las, tendo ele, ainda bem, tomado quase tudo sozinho pois não tinha dinheiro para comprar nem mesmo vinho em garrafa de plástico, oferecendo-me em seguida um baseado nervoso, segundo dizia, e depois de tudo isso, com a fome apertando, despejamos uma sopa de cebola em água fria como mandava o pacote e bebemos daquele jeito mesmo já que o gás tinha acabado usando os copos do vinho, que é bom lembrar, nem para vinagre servia, mas que no momento e logo em seguida surtia um efeito esquisito combinado com aquela maconha de qualidade duvidosa, assim que saciados resolvemos jogar amarelinha na sala às duas da manhã, usando açúcar para marcar os quadrados e no primeiro lance, quando alcançava o céu, escorreguei e bati a cabeça no chão, sendo muito claro, agora, que essa dor que sinto não é ressaca coisa nenhuma e sim aquela maldita queda que fez meu vizinho me carregar até o banheiro para estancar o corte com papel higiênico, só que fazendo tamanho esforço acabou passando mal e sem dúvida alguma aquele filho da puta vomitou por tudo isso aqui e eu nem tinha percebido que além da cabeça todo meu corpo doía pois havia dormido ali mesmo onde o transporte se interrompera.

09 de junho de 2009