terça-feira, 14 de abril de 2009

Não lembro se conversavam

......Parece que o fogo começou de noite.
......Um fotógrafo lamentou por ter chegado tarde.
......O jornal noticiou: “mendigos bêbados ateiam fogo em carrinho de papelão iluminando de medo a rua Prof. Brandão”.
......O pessoal da pizzaria, na Padre Germano Meyer, ouviu um homem e uma mulher brigarem lá pelas onze e meia.
......Vendo as cinzas, o plástico derretido, a estrutura metálica chamuscada, um artista plástico do Alto da XV afirmou que aquilo era um happening, uma intervenção urbana não intencional, impedindo qualquer um de chegar perto.
......A família que mora na frente do local onde ocorreu o incêndio também ouviu a discussão. O pai alertou os filhos para ficarem dentro de casa e depois de trancar todas as portas e janelas, chamou o pessoal para ver o que acontecia da sacada.
......A polícia chegou quando o fogo estava acabando. Então, as pessoas que assistiam de longe já podiam conversar entre si. Uns viram, outros ouviram, outros ainda acabavam de chegar e não sabiam.
......No dia seguinte, passei de bicicleta e o resto da casa e do instrumento de trabalho dos mendigos estava ali, sozinho ao lado da ciclovia. Eu passava pelo casal todos os dias, há duas semanas. Um homem escurecido pelas ruas, uma mulher murcha com traços pouco femininos. Toda vez que voltava do trabalho, ela me encarava profundamente.
......Não me lembro se eles conversavam.
......Agora, não estão mais ali.


14 de abril de 2009

Só se for em Tianguá

Estive no Ceará em janeiro deste ano fazendo vistoria de umas torres. Entre uma e outra, acabava viajando bastante. E foi na ida para Sobral que o torrerista Lucas pegou carona comigo. Ele estava voltando para casa após um mês de trabalho.

 - Não agüento mais esse calor. Tenho uma casinha na serra, lá pras bandas de Tianguá. E faz frio, sabia? No inverno, pela manhã, às vezes tem até neve.

 Não entendi muito bem aquilo. Estávamos cruzando o sertão, de noite, com as janelas bem abertas, o suor escorrendo pelas meias e nevava no nordeste brasileiro?

- Pois temos que dormir até de manta!

Na manhã seguinte, subi a serra. E, mal chegando, já tive que ir para o sul: estava começando o período de chuvas. A previsão era de três dias sem poder trabalhar.

Descobri um ônibus que partiria para Crateús às 5 da manhã. Não tinha muita certeza de que haveria o tal ônibus, mas quando saí da pousada no meio da noite percebi que não podia ter certeza de coisa alguma.

Fui pego pela brisa gelada de bermudas e camiseta. Caminhei abraçado à mochila até a rua principal e me agachei num canto para esperar. Os bancos da praça estavam molhados, mas eu só sabia disso pois havia atravessado a rua e ido até lá. A cerração era muito intensa, podendo-se ver, com a luz amarela dos postes, o seu escorrer turbulento entre as árvores e as casas.

O céu foi clareando aos poucos e, como numa madrugada de mortos-vivos, aquele véu sumia pelos bueiros e esquinas.

Depois de meia hora batendo os dentes, o ônibus surgiu pela CE-187. A cidade ia reaparecendo.

Foram nove horas de viagem até o sul do estado, onde, pelo caminho, só se via a caatinga e a seca.

Neve realmente era demais. Ele deve ter falado névoa.



14 de abril de 2009

Tentativa primeira

sábado, 11 de abril de 2009

A vizinha

Preparei um chá e fui à janela.
O ar estava frio.
Como sempre, nesse lado do edifício, o vento soprava rastejando pelas paredes. Meu rosto e minhas mãos recebiam aquele contato com suave prazer.
Ao redor, havia muitas janelas apagadas e a noite.
Tomei uns goles e um pouco de ruído da cidade.

Faz pouco tempo que vim morar aqui. Não conheço os vizinhos e nem me esforcei.
Se a mulher que grita é nova ou velha, não consigo distinguir.
No silêncio das luzes trancadas em suas casas, facilmente surgia a discussão de algum andar acima.
Chá de camomila com vento...
Mais um gole e os gritos.

Realmente não dá para saber de onde vem a briga.
Os telhados olham para cima atentos.
A árvore ao fundo também escuta.
Solitária, a árvore sente a brisa fresca e não se mexe. Parece mesmo é que não sente nada, sob o olhar de tantas janelas e tantos telhados, bem no meio do quarteirão.
As duas mãos na xícara quente e uma batida grave na lage.

Silêncio.
As luzes vão se apagando, mas nada muda.
Logo abaixo, no térreo, o gato da vizinha lambe-se em cima do muro.
De repente, ele olha para mim. As minhas luzes estão apagadas, mas ele sabe onde estou. Rapidamente busca mais acima e tenciona os músculos.
Vush! Algo esbarra em mim.
Um susto e a xícara escapa da mão.

Ouço imediatamente o barulho da porcelana quebrando. Com o susto, meu corpo recou para dentro mas eu sei o que está caído no pátio da vizinha.
Através do vidro, olho para o gato. Na beira do muro, seus olhos arregalados congelaram-no.
Sente o cheiro.
Devagar, experimento colocar a cabeça para fora. Eu sinto o cheiro.
Um gemido e o par de olhos abertos no chão.

O fundo branco arregalado dentro dos olhos...
Recuei de novo para dentro.
Sabia que a mulher se mexia.
Via seus movimentos duros, o corpo amarrado ao chão.
Não havia sangue, apenas um pouco de chá e os espasmos preenchendo o silêncio.
Algo precisava ser feito.
Duas janelas fechadas e depois a cortina.

11 de abril de 2009



quarta-feira, 1 de abril de 2009

A verdade de Heidegger

abra os olhos
abra as orelhas
abra cadabra

primeiro de abril de 2009