terça-feira, 11 de novembro de 2008

Um Beijo

Um beijo

..........Me sentei ali, arremessado por uma brisa. Melhor que fosse a brisa, pois não estava curtindo a bebedeira. Além do gosto ruim, o cansaço já aparecia.
..........Foi nesse momento, com a cabeça apoiada nas mãos e os olhos fechados, que o dia mudou. A madrugada virou manhã ali mesmo, na minha frente. Os pássaros voltaram a cantar de repente e aquele barulho me acordou.
..........Tentando manter os olhos abertos percebi onde estava: uma rua qualquer, paralela à principal. Pude me acostumar rápido pois havia uma neblina que encobria a cidade e umedecia meus olhos. Procurei ao redor algo para comer.
..........Duas esquinas para frente, entrei numa padaria. O cheiro me deu uns embrulhos, mas o calor que fazia ali me acolheu e senti o cansaço virar moleza. Escolhi uma mesa ao acaso. Não queria sentir as garçonetes andarem de um lado para o outro me observando. De costas para o balcão, debrucei sobre a mesa para tentar costurar uns pensamentos retalhados.
..........A primeira coisa que veio foi uma lágrima. Saíra ontem com um pessoal. Barzinho, aquela coisa. Choveu banalidades, bobagens e babaquices. “Para aliviar”. “Tem horas que é preciso parar de pensar”. À puta que os pariu. E que fosse um travesti, pois assim não achariam graça. Faltavam os amigos, aqueles dois ou três. Ela nessa mísera cifra. Queria ser mais que isso. Se enganava. Mais, seria impossível.
..........A lembrança dos rostos abraçados, com qualquer um deles, fez nascer aquele desabafo. E foi único, pois não conseguia chorar.
..........Levantei o rosto e busquei aquele calor que me faltava. Sentia a sua presença. Ou estaria realizando imagens? Não havia ninguém ali. O frio entrara como água que transborda de uma pia e escorre pelo chão sem percebermos. Procurei agitado por alguém que me atendesse. Deserto. A neblina preenchendo as vitrines dos pães.
..........Ouvi passos saindo da padaria e ergui a cabeça assustado. Haveria dormido?
..........Senti um cheiro conhecido, aquela pele melada com suor novo. Corri até a porta e não avistava mais ninguém. Voltei coçando a barba embaixo do queixo.
..........Numa mesa por ali, um resto de cigarro ainda estava aceso no cinzeiro. Olhei a fumaça subir da mesma forma que se movia meu estômago. Fui até lá e sentei na cadeira usada.
..........Um bem estar me invadiu pela bunda: aquele assento quente... Nesse inverno que corria impune, não havia coisa melhor que o calor das nádegas de uma mulher.
..........Pude ver que havia marca de batom na bituca. Eram as digitais de um lábio qualquer. Dos lábios dela. Peguei com todo cuidado para não borrar a pintura e fui levando à boca, sentindo aquela agitação de um beijo há muito não dado, o coração agitado. Traguei deliciosamente, aspirando o calor e a fantasia, de olhos igualmente fechados, mortos, o corpo duro, o tesão nascendo.
..........Afastei o cigarro da boca e, descrevendo um arco, olhei minha mão pousar sobre a mesa devagar. A fumaça saía distraidamente da minha boca, arrepiando os pelos do bigode.
..........Larguei aquele toco e comecei a chorar.


01 de novembro de 2008