quinta-feira, 18 de setembro de 2008

Ensaio sobre a cegueira

Ontem fui ao cinema assistir Ensaio sobre a Cegueira, filme de Fernando Meirelles baseado no livro do escritor português José Saramago. Quando saímos, meu amigo me disse:
- Que filme preconceituoso. O principal malvadão era interpretado por um ator mexicano (Gael Garcia Bernal), a puta de luxo era brasileira (Alice Braga) e o cara que já era cego e não voltou a ver quando tudo acabou era negro. Sem falar que a praga começou num cara de olho puxado, o que poderia remeter à China! Foda isso, cara.
- Ah, tá...

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Já está no youtube a entrevista que saiu com o diretor no programa Roda-Viva da TV Cultura. Há uma crítica sobre isso no blog Pickpocket.

quarta-feira, 17 de setembro de 2008

Como se faz política

.....Posso dizer que há três formas de fazer política:

P1- Esperar, dormir e acordar de saco cheio no dia da eleição;
P2- Cursar Política numa universidade, ler livros sobre o tema, estudar essa parte da Filosofia;
P3- Levantar cedo e montar uma barricada numa avenida principal contra a implementação da Alca / ou / levantar cedo e exigir de alguém a supressão de uma necessidade.

.....Todos sabem que com uma combinação de P2 e P3 se faz uma boa Política, aquela com P maiúsculo. Ou seja, há um pensamento/planejamento que permite ver tanto o todo/o coletivo/a sociedade quanto as especificidades das situações ou as relações entre as coisas, e há a ação individual que buscará realizar o que foi pensado. (É claro que ações individuais podem se combinar tornando-se ações coletivas. O mesmo acontece com o planejamento. Mas, a priori, o ato volitivo é individual.)

.....Vamos agora acrescentar um pouco de contexto. Modelo político: democracia representativa. Essa democracia, dentre as várias que foram pensadas e aplicadas, resulta um tipo distante, seja no espaço, seja no tempo. Há, pelo menos, dois aspectos a serem lembrados sobre a Democracia do Esquecimento: o distanciamento do elegido/eleito (?) e a dispensa da ação por parte de quem elege. Isso desemboca num descaso político e consequentemente em perda da memória eleitoral.
.....Já virou até tema de pesquisa da neurociência! Vejamos os detalhes aqui.

.....Vou levar esse assunto para o voto facultativo. Acontece que 59% da população prefere o voto facultativo (Sensus). (A história do voto facultativo é velha.) E, segundo pesquisa do Datafolha, se não fôssemos mais obrigados a votar, 49% dos eleitores não compareceriam às urnas.
.....Ao contrário do que ouvi um politicólogo falar, isso não seria uma calamidade. Seria realidade! O voto obrigatório só mascara a falta de vontade de fazer Política que está em boa parte do mundo democrático. E o que é pior: força o eleitor a praticar o tipo P1, diluindo ações do tipo P2 e P3.
.....Será que a Política seria dominada por tonalidades entre P2 e P3 caso fôssemos demócratas facúlticos? Caso isso acontecesse, a organização política mudaria? a Máquina administrativa mudaria seu funcionamento? os candidatos seriam melhores? (a cada pergunta que escrevo, sinto que a merda continuaria escorrendo da privada entupida.)

Escolha seu presidente (eleições de 2006).

Tendo teorizado um pouquinho sobre Política, vamos dar um passeio na Politicagem. E para isso, nada melhor que um exemplo real.
.....Outro dia estava passando perto da Ufsc quando vi bandeiras da candidata Ângela Albino, do PCdoB. Quem já participou de política de partidos sabia o que era o PCdoB, até ontem. (Várias coisas nós sabíamos. Hoje, só o google.) Claro que quando perguntei para alguém que segurava uma bandeira, já sabia a resposta: "Não sou do partido. Tão me pagando uns trocados." Deve ser proposta de geração de emprego!
.....Política de partido significava crença e ação conjunta. Hoje virou coligação e mercado/marketing.

.....Penso como seria uma Política sem propagandas, onde precisaríamos conhecer o candidato pelo que fez e pelo que quer fazer, pesquisando, necessitando ação da pessoa. Aí o tipo P1 sumiria. Talvez ajudasse, mas também não resolveria. (Poderia de qualquer forma resolver isso?)
.....Nada de propagandas, pesquisa sobre os candidatos, voto facultativo = voto nulo. Não precisaríamos mais escolher o menos pior. Mas o sabemos sobre anulação do escrutínio? O TSE diz que só resulta em vexame para quem tiver mais votos. Mas encontrei naquele relatório ali acima, do Senado, que em 1998 um total de 40% da população estava somada em brancos, nulos e abstenções. Bastante, não?!

.....Mas e quem é Ângela Albino? (Deixo claro que até sou a favor de sua futura política. É provável que seríamos a favor da maioria dos candidatos graças aos seus planos, mas não ao seu passado). O site diz coisas como: coragem e capacidade para mediar conflitos... Um tanto budista, talvez.
.....Só que para mim, o que ficou foi isto:


É assim que se faz Política? Onde está o que ela fez em 2007? E nos anos que ficou na câmara de vereadores? E como Presidenta da Comissão de Constituição e Justiça? (Seja lá que diabos isso for.) Nem no site dela tem essas informações.

(Tem um site com vídeos dos candidatos.)

Mas não adianta. Já passou o deslumbramento com a Esqueçocracia: a guerra fria e a ditadura ficaram para os livros (pelo menos aqui no Brasil). Para a alegria de poucos e a desgraça dos outros poucos restante (a maioria não se importa), a política está caminhando em busca da anarquia: orçamento participativo, planejamento participativo, democracia representativa. E não esqueçendo da Internet, o mais anárquico meio de comunicação e debate.

(o texto não fechou bonitinho, mas depois arrumo.)

Platão, o glutão

(Escrito durante um intervalo de aula, talvez em abril de 2008)



.....Em algum lugar, havia uma menina que gostava de filosofia. Sempre sonhava com Platão mas toda vez quando ele a encontrava e se abraçavam e ele enfiava a mão entre as nádegas dela em direção ao cu, ela acordava assustada. Aquele grande homem não podia fazer uma coisa dessas!
.....Um dia contou para o namorado sobre o sonho que persistia. Ele, achando aquilo um abuso da filosofia, enfiou-se em pensamentos lacânicos e foi embora. Não voltou. Porém, o glutão das vulvas Platão, não perdia uma noite.

terça-feira, 16 de setembro de 2008

Evento: dia da Liberdade do Software

(Não sei quem diz isso, mas o convite está feito)

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Temos o orgulho de anunciar que Florianópolis hospedará um evento
especial no sábado, dia 20 de setembro: o Software Freedom Day! Esta é
a uma celebração internacional e um evento de grande alcance para o
Software Livre, com centenas de times de todos os lugares do mundo
participando simultaneamente.

Numa era cada vez mais digital, nossas experiências do dia-a-dia
dependem mais e mais de software. O software influencia como
interagimos uns com os outros, acessamos mídias, votamos, recebemos
nossos pagamentos e até mesmo nos localizamos nas estradas. O software
suporta nosso modo de vida, nossas liberdades básicas como a liberdade
de associação, liberdade de pensamento, liberdade de escolha e muito
mais, e ainda assim muitas pessoas não se dão conta da importância e
da influência do software e de outras tecnologias em suas vidas.

O que queremos dizer com Liberdade do Software? A Liberdade do
Software significa um futuro para a tecnologia no qual podemos
confiar, que é sustentável, e que não causa impactos negativos sobre
as liberdades básicas que consideramos garantidas. Sistemas eleitorais
não-confiáveis podem perturbar a população e nos causar falta de
confiança em nossos governantes. Spywares que vigiam o que ouvimos,
nossos dados bancários e para quem mandamos e-mail podem ser
instalados em nossos computadores sem nosso conhecimento. A
codificação regional de filmes em DVD introduz uma barreira artificial
ao compartilhamento internacional; onde está nossa liberdade de
escolha? Formatos de dados proprietários podem significar um bloqueio
ao acesso de nossa própria informação! A Liberdade do Software pode
ser mantida por sistemas transparentes (como o Software Livre e Aberto
- Free Software e Open Source) que são baseados em padrões abertos,
seguros e sustentáveis incluindo formatos de dados e protocolos de
comunicação.

O Software Freedom Day é uma celebração anual da Liberdade do Software
e o porquê dela ser importante; nosso propósito é trazer informação
para a população sobre estes problemas. Informações sobre o Software
Freedom Day em Florianópolis podem ser encontradas em
http://softwarefreedomday.org/teams/Floripa-SFD e nós convidamos você
para uma tarde divertida com oficinas, palestras, instalações de
software e distribuição de brindes.

* O que: Software Freedom Day
* Onde: Casa Brasil Prainha - Rua 13 de Maio, 76 - Prainha - Florianópolis
* Quando: dia 20 de setembro, sábado, das 13:30 às 18:00
* Entrada livre :)

quinta-feira, 11 de setembro de 2008

Asfalto - arqueologia urbana

Esta é a primeira vez que passo na Galeria de Artes da UFSC e vejo uma boa exposição. Digo dessa forma para não rebaixar tanto o que já passou por ali. Na realidade, era um excelente trabalho de fotografia do artista Renato Velasco.


As fotos impressas estavam dispostas no chão, como os objetos haviam sido encontrados, e mais ou menos do tamanho de uma folha A2. Na conversa que tivemos, Velasco nos explicou que seu objetivo não era fazer uma Arqueologia dos objetos incrustados no asfalto, no sentido de analisar o desgaste com o tempo e tirar conclusões sobre o passado de cada coisa. Ao invés disso, buscava o efeito plástico causado pelo "fóssil" em meio à textura peculiar do asfalto. Para isso, se sentiu obrigado a utilizar sempre a luz do sol, tarefa muitas vezes difícil pois havia lugares onde os raios solares pousavam apenas alguns minutos devido a edifícios e árvores.

Porém, não poderia ter encontrado melhor nome para a exposição: Asfalto - arqueologia urbana. Quem visitou a Galeria da UFSC pôde sentir a força e a poesia da expressão.

Velasco: artista plástico, fotógrafo, escultor, etc.

O trabalho é muito bom. Não percam!

terça-feira, 9 de setembro de 2008

A Modernidade Fluida, Z. Bauman - Zahar, 2001

Capítulo 5. Comunidade

Preencher o vazio

Para as multinacionais (isto é, empresas globais com interesses e compromissos locais dispersos e cambiantes), "o mundo ideal" "é um mundo sem Estados, ou pelo menos com pequenos e não grandes Estados", observou Eric Hobsbawm. "A menos que tenha petróleo, quanto menor o Estado, mais fraco ele é, e menos dinheiro é necessário para se comprar um governo."

.......O que temos hoje é, com efeito, um sistema dual, o sistema oficial
.......das "economias nacionais" dos Estados, e o real, mas não oficial, das
.......unidades e instituições transnacionais... Ao contrário do Estado com
.......seu território e poder, outros elementos da "nação" podem ser e são
.......facilmente ultrapassados pela globalização da economia. Etnicidade
.......e língua são dois exemplos óbvios. Sem o poder e a força coercitiva
.......do Estado, sua relativa insignificância é clara."
..............(Eric Hobsbawm, "The nation and globalization", Constellations, mar 1998, p. 4-5.

segunda-feira, 8 de setembro de 2008

Comentário sobre o 12 de Julho de Sartre

Esse texto escrevi para tentar esclarecer o desconhecimento geral de um grupo de estudos sobre a Revolução Francesa. Na época, estávamos estudando como Sartre explica a constituição dos grupos (conceito específico na teoria sartreana).

Como o texto de estudo foi abandonado por ser muito complicado e chato (assim disse a maioria), Sartre foi abandonado e um comentador apareceu em socorro. Aí foi a minha vez de abandonar o barco.

Para explicar as várias fases, não-sequenciais, da formação dos grupos, o filósofo francês usou o exemplo da Revolução Francesa, acompanhando os acontecimentos a partir de dois dias antes da queda da Bastilha (14 de julho de 1789).

Apesar de incompleto, acho que tem valor.


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Apresentação

No segundo livro de a Crítica da Razão Dialética, Sartre passa a nos explicar a formação dos grupos. Ele afirma que “o ajuntamento inerte com sua estrutura de serialidade é o tipo fundamental da sociabilidade” e, por isso, fornece “as condições elementares da possibilidade para seus membros de constituírem um grupo”.

Diferenciando ainda os grupos dos coletivos por, além do objetivo comum, terem um projeto comum que associa a liberdade como “necessidade de dissolver a necessidade” e a reciprocidade como supressão da alteridade e, portanto, da serialidade inerte dos coletivos, passa a apresentar o grupo em fusão. É importante ressaltar que a diferenciação dos agrupamentos sociais não tem um caráter histórico ou de sucessão.

O fator que dá origem ao ajuntamento – e que contém a semente da sua dissolução – é a necessidade, apontada por Sartre, como escassez material que dá origem ao perigo. A transformação do coletivo em grupo só acontecerá se o acontecimento-motor (o perigo) for vivido por todos, “se sua universalidade for objetiva para cada um”. Porém, “não esqueçamos que o objeto comum como unidade fora de si do múltiplo é, antes de tudo, o produtor da unidade serial e que é na base dessa dupla determinação que se constitui a estrutura antidialética do coletivo ou alteridade”.


O assunto-em-si: pouco antes de 14 de julho?

Para explicar a formação do grupo em fusão, Sartre usa o movimento dialético de negação da série exemplificando a situação de Paris (não da França) durante a Revolução, mais precisamente a partir do dia 12 de julho de 1789. Apesar de a argumentação conseguir caminhar apoiando-se apenas nos acontecimentos dessa data em diante – como saber se o exemplo se molda à teoria? –, torna-se imprescindível o entendimento do contexto histórico francês. É isso que farei aqui, tentando esclarecer o que veio antes daquela data não só em Paris como na França*.

A fome, causada pela crise financeira do Estado monárquico com suas guerras e com as despesas da nobreza, que desencadeou uma elevação nos preços de todos os produtos e conseqüente escassez de alimentos, é um ponto pacífico entre os historiados. Vejamos alguns outros fatos mais controversos.

É muito fácil imaginar como verdadeiro que o Terceiro Estado francês não lia muito, como acontece hoje, e que, de fato, seus gostos intelectuais “continuavam ligados ao sobrenatural, ao maravilhoso e ao fantástico” durante o século XVIII. Assim, “a nobreza esclarecida era o único grupo da população capaz de compreender e patrocinar a filosofia das Luzes”. Esse tipo de literatura causava, sem dúvida, interesse entre todos, eram “as novas curiosidades da razão”. Mas, como os temas discutidos em tal filosofia se distanciavam dos problemas concretos, “as pessoas simples permaneceram no todo mais sensíveis à influência da religião católica”. Nas suas paróquias, “a imensa maioria da população francesa, continuava alheia” ao novo pensamento. Tanto nas cidades quanto nos campos, a fé cristã burguesa e popular permanecia intacta. E esses milhares de “fiéis se tornarão ferrenhos adversários” quando se der a Revolução.

A filosofia das Luzes, que se opunha à tradição monárquica pois pregava uma “laicização e racionalização da visão do mundo e da ordem social, questionando todos os privilégios”, circulou, por mais paradoxal que seja, exatamente nesse grupo: na classe dirigente. Durante muito tempo as duas ideologias, a saber: a monárquica e a iluminista, conviveram juntas, pois nesta não havia o matiz revolucionário. “O seu elitismo não favorecia de modo algum a subversão social” e as reformas liberais eram destinadas “a preservar a hierarquia”: a “ideologia era de modernização e não de revolução”.

Houve, porém, revolucionários que se aproveitaram da literatura filosófica, metamorfoseando-lhe o sentido. Eram chamados de “Rousseaus de riachos”. “Esses ‘pobres rabiscadores’, provincianos ávidos que inundavam Paris, haviam sido colocados por Voltaire num nível inferior ao das prostitutas”. Foram eles, como Marat, Brissot e Cara, vindos das “profundezas do submundo intelectual”, que difamaram pesadamente o Ancien Régime e a Igreja através de uma contracultura panfletária, produzindo uma “revolução cultural” alavancada pelo jornalismo revolucionário. Na década de 1780, esses ácidos panfletos “veneravam as perspectivas de um paraíso terrestre” alheio à racionalização e muito disso foi interpretado e digerido segundo a visão mística da população. No entanto, no “público culto” estava se preparando uma radicalização e uma politização devido ao seu “ódio ao despotismo e à aristocracia”, sendo estes intimamente ligados à Igreja: o dauphin era rei pela vontade de Deus.

A crise no governo francês fez com que os dirigentes tentassem uma reforma baseada nas Luzes, mas a “inércia do poder instituído era reforçada pelas condições de seu funcionamento, que repousava inteiramente sobre os favores reais”. “A verdadeira crise da monarquia, longe de se limitar a um problema de equilíbrio orçamentário, provinha de um tipo de administração que obrigava o soberano a se apoiar em fortunas especulativas, elas próprias solapadas, em 1787, pela crise econômica”. A legislação revolucionária buscaria “fazer com que as finanças francesas passassem de um sistema de relações contratuais entre o poder e os homens de negócios para o de uma hierarquia de assalariados”. Por outro lado, a Igreja, possuidora de enorme fortuna territorial, foi se tornando hostil ao governo pois via nas reformas a possibilidade de uma usurpação de seus bens.

Os reformadores da monarquia, como Calonne e Briene, acabaram sendo minados pela suas oposições, leia-se clero e inimigos pessoais, e acabou-se revelando “a todos, a desordem de suas finanças [do rei]” comprometendo-o perante a forte opinião pública. Daí para diante, não houve mais jeito: “sem dinheiro e sem idéias, a velha monarquia perdera a partida”.


notas:
[*] O livro base dessa descrição será “A revolução francesa em questões” de Jacques Sole, por ser um livro relativamente recente (1988) e muito crítico que pretende mostrar “sem preconceito nacional, que o período revolucionário parece menos a instauração gloriosa da nova ordem do que a mais terrível e confusa das guerras civis”. Essa forma é muito diferente da versão que se aprende na escola – e às vezes na universidade –, ou seja, aquela “patrocinada pela Sorbonne”, de uma “história emocionada” onde as Luzes suprimem o Ancien Régime através da burguesia ascendente e a democracia representativa se define como símbolo de igualdade e liberdade política.
[1] Iniciando com Luis XIV, durante seu reinado houve três guerras maiores: a franco-austríaca (1672-68), a da Liga dos Augsburgos ou guerra dos Nove Anos (1688-97) e a de Sucessão Espanhola (1701-1714); e dois conflitos menores: Guerra da Devolução (1667-68) e a Guerra das Reuniões (1683-84), pelos Países Baixos espanhóis. Sob o reinado de Luis XV houve: a guerra de Sucessão da Polônia (1733-35), a guerra da Sucessão da Áustria (1740-48) e a guerra dos Sete Anos (1756-63), tendo, esta última, conseqüências desastrosas para a França: derrota na Alemanha, perda do Canadá e da Índia.
[2] A estabilidade do Ancien Régime havia sido rompida em 1771 quando do golpe de Estado de Maupeou, onde surgiram as idéias de oposição da aristocracia.

quinta-feira, 4 de setembro de 2008

Alegria como propulsor democrático?

Parece meio duvidoso que tornar a propaganda política no Brasil mais divertida faça nascer a democracia. É fácil pensar num homem que "pensa pela própria razão", mas daí para ele tomar decisões políticas inteligentes é outra história. Para usar a expressão de Bauman, Política, com p grande, está fora de moda. O individualismo desconstruiu o saber político público. Talvez só nos reste, então, nestas bandas brasílicas, a diversão mesmo.


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Alegria & Política – por que não?

de Paulo Ghiraldelli Jr.

A idéia de que a TV é antes de tudo entretenimento não desaparece quando o assunto é política e eleições. Assim é nos Estados Unidos. A festa da democracia americana é também a festa do eleitor que, não raro, se diverte com os vários programas de política. Lá, ninguém está preocupado em fazer da política algo sério a ponto de ficar sisudo. Confia-se na maturidade do eleitor, tendo ele maturidade ou não. Esse é o princípio iluminista, posto de forma emblemática pelo filósofo Immanuel Kant – “pensar pela própria razão” é o que distingue o homem que “saiu da menoridade”.

A democracia é um regime para os que saíram da menoridade.

Quando nós, brasileiros, voltamos à democracia, em 1985, esse também era o espírito da nossa propaganda eleitoral. As eleições e a política em geral eram algo para a formação cívica, para a educação democrática. A política pela TV e pelo jornal impresso eram a “escola de adultos”. Todavia, continuavam a ser TV e jornal – antes de tudo, deveriam ser atrativos. O lema funcionava mais ou menos assim: se é para aparecer na TV, que seja no espírito televisivo. A imprensa escrita tinha outras possibilidades, mas não deixou também de seguir esse caminho.

Os grandes bonecos, as imagens entortadas, as imagens de comícios (reais) e os debates com pouca censura – tudo isso deu vida à política. Os jornais impressos passaram até a ter o “humorismo político” de volta. Ninguém votou “enganado” por conta disso. Ao contrario! Sendo mais atrativos, os programas políticos na TV estimulavam o eleitor a voltar a assisti-los e, a partir disso, ter mais vontade de conhecer os candidatos e partidos. Lembro bem como que os bonecões dos candidatos eram adorados por todos, e como que simulando debates se tornavam um ponto de atenção válido, chamando o homem comum para ficar diante da TV no horário eleitoral.

Mas, no Brasil, o que é criativo e bom dura pouco. Alguns entre nós acham que o Brasil não é sério, e ficam tentando tornar mais o sério o que não precisa disso. Todo mundo que quer fazer isso, deixa de ser sério, passa a ser a caricatura do sério, que é o sisudo, o chato. E nome da seriedade, fomos criando leis de coerção da propaganda eleitoral e política. Nada de bonecos, nada de distorção de imagem e som, nada de cenas externas, nada disso e nada daquilo. Deu no que deu: a propaganda eleitoral tornou-se insuportável. Às vezes penso que aquela propaganda eleitoral permitida no tempo do regime militar dava mais asas à imaginação e ao entretenimento que a atual. E tudo que dá asas à imaginação provoca a curiosidade e, no limite, se torna mais capaz de gerar mais informação – o que é fundamental na democracia.

A legislação que regra a atividade política na TV foi construída, nesses últimos vinte anos, ao sabor do prejuízo do partido alheio, e não em benefício do expectador e do eleitor. Cada peça de lei foi feita por um político para prejudicar o partido adversário. O resultado não foi a melhoria da política na TV, e sim o que aí está, temos uma democracia que, na TV, se tornou rapidamente um tédio. Tudo é feito para que o político, uma vez na TV, “apresente propostas” e “não faça show”, e o que temos é o show, só que de péssima qualidade, já que tudo é proibido.

A maioria dos países democráticos faz questão de apresentar na TV, na hora da política, o que há de melhor para se colocar na TV. Não se pode imaginar TV sem audiência. Todo tipo de jogo, brincadeira e coisa capaz de fazer a política se mostrar como uma parte do “mundo das celebridades” é algo bem visto nas grandes democracias do mundo ocidental. É claro que isso depende da cultura do país. Mas ninguém chega ao ponto da imbecilidade de nossa propaganda política, que se transformou em alguma coisa que expulsa o que é o principal na propaganda: aquele que assiste.

Não há motivos para o cerceamento que temos em nossa propaganda política. Uma vez liberada, nossa propaganda fortaleceria uma indústria de entretenimento voltada para a política, uma indústria lucrativa e geradora de empregos. Ao mesmo tempo, geraria um eleitor mais envolvido e mais sagaz. Pois é visível que na época dos bonecões imitando candidatos, na TV, nosso grau de informação era bem maior. E a população gosta disso. Tanto é que, na Internet, os sites de charges de política ou de pequenos “clips” com brincadeiras com a política são muito procurados. Tudo isso é colocado de lado. Justamente na TV, onde tudo é feito de modo a se ganhar dinheiro, na política o horário eleitoral é feito para se perder dinheiro e perder audiência. É algo realmente irracional.

Está na hora dos políticos não temerem os bonecões, as charges, a piada. Essa coisa de político se fingir de sisudo para impor respeito é algo que não casa com a voracidade com que alguns deles se dirigiram ao “mensalão”. Então, os políticos honestos deveriam fazer voltar à TV a sua capacidade de tornar a política alguma coisa que realmente ela é: algo vital para nossa vida democrática.

Se a política na TV se torna algo chato, não custa começarmos a acreditar que toda essa atividade é mero adorno, um tédio que não sabemos sua razão de existência. Ao contrário do que muitos imaginam, não temos a tendência de descartar algo por ele ser engraçado e divertido. Nem descartamos algo que é muito dolorido. O que é entediante é o primeiro candidato ao plano do descartável. E é isso que fizemos com nossa política na TV: ela parece ser descartável. Péssimo sinal.

Paulo Ghiraldelli Jr., filósofo, http://ghiraldelli.pro.br e http://paulo.ghiraldelli.pro.br

terça-feira, 2 de setembro de 2008

Sobre a Mundanidade

Quem quiser compreender o que se quer dizer com o termo mundanidade, criado, ou melhor, usado por Heidegger em Ser e Tempo terá que se esforçar bastante. O núcleo duro da filosofia originária deste grande filósofo do século XX é a pergunta: qual é o sentido do ser? Desfazendo-se de toda a metafísica anterior e caminhando por investigações fenomenológicas ele vai nos mostrando que não há um interior e um exterior, alma numa esfera, corpo em outra, mundo em outra ainda. Nós todos estamos sendo no mundo e as coisas, entes simplesmente dados, vão se mostrando por já estarem abertos e passíveis de manualidade.

Antes que eu confunda tudo tentando recontar a história ontológica de Heidegger, vou copiar um parágrafo significativo que, de todo, não entendi nada.

Ajuda?


"O deixar e fazer previamente junto... com... funda-se numa compreensão de deixar e fazer em conjunto, numa compreensão do estar junto e do estar com de uma conjuntura. Isso e o que lhe subjaz mais remotamente como o ser para isso, em cuja conjuntura se dá a função para onde, em última instância, retorna todo para quê (Wozu), tudo isso deve estar previamente aberto numa certa possibilidade de compreensão. Mas em que o ser-aí se compreende pré-ontologicamente como ser-no-mundo? Na compreensão do contexto de remissões supramencionado, o ser-aí se referiu a um ser para, a partir de um poder ser explícito ou implícito, próprio ou impróprio, em função do qual ela mesma é. Assim, delineia-se um ser para isso, como possível estar junto de um deixar e fazer em conjunto, o qual estruturalmente deixa e faz entrar junto com alguma coisa. A partir de uma função, o ser-aí sempre se refere ao estar com de uma conjuntura, ou seja, permite sempre, na medida em que é, que o ente venha ao encontro como manual. A perspectiva dentro da qual se deixa e se faz o encontro prévio dos entes constitui o contexto em que o ser-aí se compreende previamente segundo o modo de remissão. O fenômeno do mundo é o contexto em quê (Worin) da compreensão referencial, enquanto perspectiva de um deixar e fazer encontrar um ente no modo de ser da conjuntura. A estrutura da perspectiva em que o ser-aí se refere constitui a mundanidade do mundo."

(Ser e Tempo, Heidegger, final do parágrafo 18).